A polêmica sobre o próximo intérprete de James Bond parece longe de terminar. Idris Elba nem foi oficialmente convidado para substituir Daniel Craig, mas a hipótese de um ator negro no papel do agente 007 tem dado origem a diversos comentários racistas em Hollywood e nas mídias sociais.
Primeiro, o antigo James Bond, Roger Moore, desprezou a indicação de Elba ao defender que o personagem deveria ser "inglês-inglês", apesar de vários outros atores da série terem outra nacionalidade. Mais tarde, ele tentou esclarecer seu comentário pelo Twitter, negando as acusações de racismo, mas acabou reforçando a suposta necessidade de um herói branco.
Cada um no seu lugar?
Agora, os defensores de um James Bond branco ganharam um novo apoio... de um ator negro. Yaphet Kotto, intérprete do vilão Dr. Kananga em Com 007 Viva e Deixe Morrer (1973), não deu margem a ambiguidade: "Ele não pode ser negro. Dane-se o politicamente correto, nós temos que ficar com o que é literalmente correto. James Bond foi criado por Ian Fleming como um personagem branco, interpretado por um ator branco. [Idris Elba] pode ser o agente 003 ou 006, mas ele não pode ser o 007. Muitas pessoas dizem que nós deveríamos interpretar qualquer coisa. Não seja ridículo. Se eu quiser interpretar JFK, deveriam rir da minha cara".
O ator foi além, afirmando que "homens negros deveriam parar de querer interpretar papéis escritos para brancos", e sugerindo que a biografia Selma - Uma Luta Pela Igualdade, sobre o ativista Martin Luther King, não foi esnobado pelo Oscar por racismo. Kotto diz que a questão racial sequer deveria ser levada ao cinema: "Pessoas que projetam assuntos raciais nos filmes não deveriam fazer parte da nossa indústria".
O argumento do ator vai de encontro a outro comentário polêmico, proferido pelo jornalista conservador Rush Limbaugh. Ele afirmou que a escolha de Elba para o papel seria tão absurda quanto escolher George Clooney e Kate Hudson para interpretarem Barack Obama e Michelle Obama, ou então selecionar Kelsey Grammer para o papel de Nelson Mandela. "Eu sei que é racista dizer isso", assumiu.
James Bond não é Nelson Mandela
Mas os argumentos acima são facilmente refutáveis, por várias razões. Primeiro, Kotto e Limbaugh citam pessoas reais, algo muito diferente de um personagem literário. A responsabilidade de retratar uma pessoa existente não pode ser comparada àquela de ilustrar um homem fictício. Existe uma liberdade muito maior no caso da literatura.
Segundo, e mais importante, deve-se dizer que os exemplos usados são de personalidades públicas cuja história está diretamente ligada ao fato de serem negras. Barack Obama, Nelson Mandela e Martin Luther King entraram para a História justamente por quebrarem o tradicional monopólio dos brancos em posições de liderança, e por lutarem pela igualdade entre etnias. Neste caso, obviamente, seria inaceitável que fossem interpretados por atores brancos no cinema.
Mas o fictício James Bond nunca teve uma história essencialmente ligada ao fato de ser branco. Sua pele branca não é indispensável à sua trajetória, às suas conquistas e suas peripécias na saga. Tudo que Sean Connery, Roger Moore, Timothy Dalton, Pierce Brosnan e Daniel Craig fizeram como agentes 007 também poderia ser feito por Idris Elba, ou qualquer outro ator negro, hispânico, asiático...
Ainda é preciso evoluir, e muito
Além disso, o cinema está finalmente começando a se abrir para outras formas de representação nos cinemas - algo mais do que louvável. A grande maioria dos heróis cinematográficos ainda são homens brancos, então pode-se comemorar as franquias e grandes produções lideradas por mulheres (Alien, Jogos Vorazes) ou por atores não brancos (Bad Boys, a recente animação Cada Um na Sua Casa). O próprio sucesso recente de Velozes & Furiosos 7 foi explicado pelos produtores pela presença de diversos atores negros e hispânicos na trama, que se refletiu na audiência 75% não branca na estreia americana do filme.
Algumas histórias contemporâneas já pensam em diversificar os papéis tradicionais. Nos quadrinhos, Thor cedeu espaço a uma personagem feminina, e na próxima franquia cinematográfica do Homem-Aranha, um ator hispânico está cotado para substituir Andrew Garfield. O próprio Garfield tinha sugerido a possibilidade de o amigo da vizinhança ser homossexual nas próximas histórias da franquia.
As imagens diversificadas de heróis servem a mostrar para toda a população, independentemente de sua etnia, gênero ou orientação sexual, que os líderes, heróis e figuras de admiração podem ser relacionados a qualquer um. Todos têm o direito de encontrar uma figura com quem se identificar no cinema, sem a ideia de que uma representação seria superior à outra.
O rumor matou James Bond
Idris Elba não se calou diante da polêmica. "Este é um rumor que acabou destruindo a si mesmo", afirmou, em relação aos intensos debates na mídia. "Se existia alguma chance de eu ser James Bond, agora não existe mais". O ator reafirmou que nunca se encontrou com a produtora da franquia 007, Barbara Broccoli, e respondeu à declaração ofensiva de Roger Moore, dizendo ser "inglês-inglês": "Eu nasci aqui. Eu nasci e fui criado na Inglaterra".
Talvez a oportunidade de Elba se tornar o próximo agente 007 tenha realmente se perdido, mas pelo menos a discussão pública pode ajudar os produtores de Hollywood a pensarem melhor neste assunto quando escolherem o elenco de seus próximos projetos. James Bond poderia perfeitamente ser interpretado por um ator negro no futuro - seja Elba ou qualquer outro.