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    Exclusivo: "É possível fazer cinema popular de qualidade", afirma o diretor da estreia Amor à Primeira Briga

    O filme francês, dirigido por Thomas Cailley, estreia amanhã nos cinemas.

    Chega aos cinemas dia 2 de abril um dos filmes franceses mais premiados de 2014: a comédia Amor à Primeira Briga, vencedora de todos os prêmios da Quinzena dos Realizadores, no festival de Cannes, e premiada com o César de melhor filme de estreia, melhor atriz e melhor ator revelação. A história gira em torno de dois jovens: Madeleine (Adèle Haenel), impulsiva e bruta, sonha em entrar no exército para aprender técnicas de sobrevivência, já Arnaud (Kévin Azaïs), mais calmo e dócil, acaba se juntando a ela na viagem. Leia a nossa crítica.

    O diretor e roteirista, Thomas Cailley, esteve de passagem no Brasil para apresentar esta mistura divertida de comédia, drama e história de aventuras. Nós conversamos em exclusividade com o cineasta, que falou sobre a escolha do elenco, sobre os desafios de fazer um primeiro filme, da situação de crise econômica na Europa e sobre a possibilidade de fazer um filme popular de qualidade. Confira esse bate-papo abaixo:

    Como surgiu a ideia do filme?

    Eu queria escrever uma história de amor, e gosto muito da ideia das duplas no cinema, porque elas sempre provocam conflitos, colisões. Algo se transmite permanentemente entre os personagens. Mas eu não assisto às comédias românticas, não sei como funciona o gênero. Um dia, assisti na televisão a um programa de sobrevivência sobre um homem que é lançado de um helicóptero no meio da selva. O programa é patético, mas achei aquele homem bastante comovente. Para ele, a vida não era suficiente, e a sobrevivência era um valor mais forte do que a vida. Achei isso interessante. A liberdade não é necessariamente uma transgressão, pode também ser os obstáculos que as pessoas impõem a si mesmas. Isso deu origem ao personagem de Madeleine, e eu pensei que seria legal ver como ela se encaixaria em uma história de amor.

    É curioso ver o princípio da sobrevivência aplicado a dois jovens adultos.

    Essa idade não é muito retratada no cinema. Fala-se muito sobre a adolescência, sobre as primeiras vezes: a primeira experiência sexual, a primeira desobediência aos pais... E depois saltam os 20 anos para ir diretamente à desilusão dos 30 anos, com a ideia de ter filhos, dívidas etc. Mas o início dos 20 anos é interessante, porque as pessoas ficam impactadas pelo mundo, com decisões sérias a tomar. É quando se decide aceitar, ou partir para o combate.

    Para mim, era natural que a questão da sobrevivência afetasse os dois personagens. Nessa idade, a sociedade diz que é preciso se projetar no futuro. Nas entrevistas de trabalho, perguntam: “Onde você acha que estará daqui a dez anos?”. Isso é muito angustiante, principalmente porque nos lembram sempre que o futuro não nos diz respeito, porque estamos em uma crise permanente. Os personagens vivem essa pressão, e transformam-na em um combate diferente, metafórico. São dois instintos de sobrevivência opostos: Arnaud está em um momento de conservação, mantendo com ele as coisas de que gosta, as pessoas, o emprego herdado do pai. Madeleine está em um momento de destruição, de morte, de guerra. Ela espera que tudo exploda para algo acontecer. O encontro entre os dois pode trazer o prazer do presente, da vida.

    O tema da crise faz de Amor à Primeira Briga um filme político.

    Com certeza. Quando eu falo em crise, é na crise econômica que penso. Para os personagens, ela é permanente. Desde que nasceram, os dois ouviram falar na crise, o tempo inteiro. Tenho a impressão de que toda a velha Europa e parte do mundo Ocidental tinham muita certeza do futuro durante muito tempo, mas agora não têm mais certeza de nada. Este é um estado de suspensão, e isso é fundamentalmente político. Um dos colegas de Arnaud inclusive afirma que a França está morta, e é preciso se mudar para outro lugar.

    Como você escolheu Kévin Azaïs e Adèle Haenel para os papéis principais?

    Nos dois casos, foram testes, mas de maneiras diferentes. Com Adèle, eu tinha visto outros filmes em que ela atuava, e quis encontrá-la. Isso ocorreu de modo bem rápido, porque ela tinha a energia, a potência e o carisma da personagem. Ela também tem algo particular, misturando a determinação e o mistério. A personagem dela não é apenas louca, ela tem uma visão muito concreta do mundo. Mas ela é repleta de angústia.

    No caso de Kévin, foi mais demorado. Eu comecei a fazer testes, e vi centenas, talvez milhares de jovens para o papel de Arnaud. Mas sempre faltava alguma coisa. Eu já tinha contratado Kévin desde o início do projeto, mas para outro papel, e enquanto trabalhávamos, eu percebi que ele tinha algo mais generoso e carinhoso do que eu percebi no início. Então eu parei os testes e propus o papel principal para ele. É curioso, porque antes se ser atriz, Adèle estudou na HEC (prestigiosa escola de comércio na França), e Kévin trabalhava como encanador e especialista em aquecimento doméstico. Os dois são bastante próximos de seus personagens, afinal. 

    Amor à Primeira Briga é o seu primeiro longa-metragem. Quais foram as dificuldades e desafios?

    A maior dificuldade, em termos de financiamento, foi o fato de que o filme não se encaixa em nenhuma categoria. Ele não é totalmente uma comédia romântica, nem exatamente um filme de aventura, e tem partes de ação, de comédia... Isso complica quando se fala com possíveis parceiros. Eles gostam muito de ter referências de outros filmes, mas Amor à Primeira Briga é um OVNI. Ao mesmo tempo, esta é a força do filme, e a razão do sucesso tanto na França quanto no resto do mundo.

    Em termos de produção, foi difícil trabalhar com tantos deslocamentos. O filme é muito itinerante, os personagens não param de se deslocar. Nós tínhamos 86 cenários diferentes, para cerca de 100 cenas. Isso é algo fora do comum, e representava uma média de três cenários por dia. Para dificultar ainda mais, nós acrescentamos um obstáculo quando decidimos filmar quase tudo na cronologia da história. Era importante filmar dessa maneira para termos a impressão de que acompanhávamos os dois neste trajeto. A equipe viveu a mesma história que eles. Isso torna o filme mais físico, algo que condiz com a história.

    Há algum tempo, a diretora Pascale Ferran defendeu a importância dos “filmes do meio”, que não são nem grandes produções populares, nem pequenos filmes herméticos. São obras de orçamento razoável, mas que dialogam tanto com a crítica quanto com o público. O que acha dessa ideia, em relação ao filme?

    Eu nunca pensei em Amor à Primeira Briga como um “filme do meio”, pois não sei se ele se encaixa na realidade econômica desse grupo. Acredito que estes filmes sejam também um pouco mais caros, e por isso mesmo difíceis de financiar, porque têm orçamentos de €4 milhões ou €5 milhões. Nosso filme custou apenas €2 milhões.

    De qualquer maneira, eu concordo totalmente com o que Pascale Ferran diz sobre a conexão entre exigência artística e ambição popular. Eu fui espectador antes de ser cinéfilo, e vejo muitos filmes americanos. Acho importante embarcar na história e ter prazer, mesmo que isso não seja a única coisa importante. Eu sou contra a ideia de ser radical apenas para ser radical, porque no fundo, isso não representa um verdadeiro risco. Mas quando se mistura gêneros, cria-se um risco, porque fornecemos uma promessa ao público, e depois transformamos a premissa. Temos que confiar no público, e fazer o possível para que ele se sinta investido no filme.

    O problema do cinema muito comercial é ser concebido com a ideia de que todos se sentam diante da tela e assistem à mesma história. Depois de ter feito quase cem apresentações de Amor à Primeira Briga, percebo que cada um vê uma coisa diferente, o que é ótimo. Não quero afastar o público, fazendo algo inteligente formalmente, mas chatíssimo durante três quartos da projeção. Acho possível fazer cinema de qualidade e acessível ao mesmo tempo.

    A trilha do filme é interessante. Você escolheu a música eletrônica, algo normalmente associado ao cenário urbano. Mas estamos no meio da natureza, em um terreno selvagem.

    Eu sempre quis ter música eletrônica nesta história. Mas é uma música muito particular, porque tem algo muito rítmico, muito cardíaco. O ritmo eletrônico é sempre épico, ele parece evocar um destino, e isso combinava com os personagens. Quando é feito pelo computador, parece liso demais, excessivamente robótico, e neste caso é claro que combina melhor com as cidades. Por exemplo, se você pegar a trilha de Drive e colocar em Amor à Primeira Briga, não funciona de jeito nenhum. Neste caso, dá certo porque todos os instrumentos são feitos por músicos, nada é criado por computadores. Isso cria pequenos incidentes, alterações, que despertam algo vivo e autêntico.

    A fotografia, feita pelo seu irmão, é um caso interessante. As imagens são muito bonitas, mas a cinematografia nunca chama a atenção a si mesma, ela sempre serve à história, compondo de maneira orgânica a trajetória de Arnaud e Madeleine.

    Essa é a vantagem de trabalhar com alguém muito próximo. Nós quase não falamos sobre intenções, porque trabalhamos juntos desde o início, desde as primeiras versões do roteiro. Além disso, temos uma cultura comum, nós assistimos aos mesmos filmes na casa dos nossos pais.

    Para a fotografia, eu decidi pegar uma grande parede da minha casa e desenhei a linha evolutiva do filme. Ao lado, eu colava referências, fotografias, pinturas, ao longo de meses. Depois de um tempo, com mais de cem fotos, percebemos uma transformação da cor: o filme começaria com tons de azul, depois o amarelo se infiltraria. Seria azul, depois verde, amarelo e laranja. Percebemos que não existia uma forma única, e sim uma transformação da forma. Aplicamos esta ideia aos enquadramentos também: começamos de forma mais ocupada, com pouco horizonte, e depois as imagens são menos decupadas, mais longas, mais fluidas e com mais horizonte. Nós nunca pensamos: “Tem que ser bonito, tem que chamar a atenção”. Era preciso seguir a história de perto, e representar a emancipação dos personagens, partindo de algo frio e fixo a algo caloroso e livre.

    À medida que o filme avança, ele se torna mais luminoso. No entanto, quanto mais luz, mais crepuscular ele se torna. Nunca existe uma alegria perfeita: mesmo no final, os personagens não estão nem serenos, nem ingênuos em relação ao futuro. Mas existe esperança. Este foi o conceito que criamos: a “fúria luminosa”, ou seja, algo nada desesperado, mas também longe do típico final feliz. Era preciso ser catártico, forte, vitorioso.

     

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