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    Exclusivo: Raffaele Petrini, distribuidor do censurado A Serbian Film, fala sobre o caso A Entrevista

    O distribuidor debate a questão da censura e da liberdade de expressão no Brasil.

    Nas últimas semanas, a polêmica envolvendo a comédia A Entrevista tem gerado ampla discussão na mídia. A história sobre o assassinato fictício de Kim Jong-un, líder da Coreia do Norte, gerou fortes pressões do governo asiático e levou a uma série de ameaças terroristas nos Estados Unidos, supostamente comandadas por grupos extremistas norte-coreanos. A exibição do filme chegou a ser  cancelada e apenas foi confirmada para o Natal, em um circuito restrito, no dia 23 de dezembro.

    Diversas pessoas ficaram espantadas com este ato de censura em um país como os Estados Unidos, mas as práticas proibitivas em relação ao cinema permanecem no mundo inteiro até hoje - inclusive no Brasil. Recentemente, o filme sérvio A Serbian Film - Terror Sem Limites foi proibido nas salas brasileiras por suas fortes cenas de estupro, pedofilia e necrofilia. Após disputa judicial, a produção foi liberada, mas alguns Estados do país mantém a censura, como o Rio de Janeiro.

    Aproveitando o debate, decidimos conversar com Raffaele Petrini, distribuidor nacional de A Serbian Film - Terror Sem Limites. O criador da Petrini Filmes comenta o caso A Entrevista e discute censura e liberdade de expressão no Brasil:

    A Serbian Film transitou entre proibições a liberações, até ser finalmente autorizado. Em quais territórios brasileiros o filme foi exibido? Ele teve cópias em home video?

    Antes da proibição do Ministério Público Federal, o filme estava previsto para entrar em mais de 40 salas. O filme foi proibido e um ano depois, quando foi liberado, quase nenhum exibidor quis mais exibi-lo. A Serbian Film chegou a ser exibido em poucas praças: Fortaleza, Maceió, São Luís, Campinas e Goiânia. Poucos e corajosos exibidores que apostaram no filme e que ainda tiveram bons resultados. O lançamento de A Serbian Film em home video está finalmente programado para 2015.

    No Rio de Janeiro, a produção ainda é proibida. Por que este Estado foi particularmente contrário à exibição de A Serbian Film?

    Na minha opinião está mais que óbvio que se trata de um motivo mais político do que moral. O filme estava programado para ser exibido em salas mantidas com dinheiro público do Rio de Janeiro e a proibição foi empurrada por um partido da oposição. Não vi parlamentares de outras bancadas ou de partidos do atual governo apoiarem a censura, o que deixa claro o intento político de atingir as instituições que estavam promovendo as exibições do filme.

    Vocês receberam pressões de grupos políticos, religiosos ou outras instituições contra o filme, quando tentaram distribui-lo? De que maneira?

    Ainda hoje recebemos pressões de grupos religiosos, que foram além de qualquer limite do razoável: ameaças pessoais e insultos chegaram a virar rotinas nas caixas de e-mail e nas redes sociais. Depois de um tempo descobri que blogs de grupos evangélicos fomentavam o envio de mensagens de repúdio: um grupo até criou uma oração contra a difusão do filme.

    Qual foi a reação do público, desde os festivais até a liberação da obra?

    Cheguei a presenciar algumas importantes exibições do filme, com o público em choque total e em certos casos com espectadores divertidos pelo absurdo de certos momentos de A Serbian Film. Alguns espectadores saíam nas cenas mais violentas, outros ficavam com os olhos fechados da metade até o final.

    Quanto às reações da proibição, eu nunca iria pensar numa reação dessa magnitude para um filme de terror independente. Quando ele foi proibido logo levantaram-se debates quase sempre contra o absurdo da censura. Um ano e meio depois da proibição, recebemos a liberação. A Serbian Film estava esquecido: sua liberação não repercutiu tanto quanto sua proibição e nenhum dos cinemas que estavam interessados em exibi-lo antes da proibição o programou.

    Hoje, o filme americano A Entrevista também foi cancelado, neste caso, pelos próprios produtores e distribuidores, temendo ataques terroristas. Você considera este caso uma censura? Pode dizer a mesma coisa de A Serbian Film?

    Todas as vezes em que uma obra de arte é impedida de atingir seu público é um caso de censura. Este é um caso mais delicado, pois a própria distribuidora decidiu anular um lançamento forte com medo de um ataque terrorista. A Sony conhecia bem o conteúdo do filme e decidiu bloquear o lançamento do filme. Já a censura de A Serbian Film chega a ser mais assombrosa, devido ao fato dos próprios censores não terem nem visto o filme. Uma censura preventiva a uma obra de arte que não está prevista em nossa Constituição.

    Uma das principais críticas ao cancelamento de A Entrevista seria de que o fato abriria precedentes para outras pressões e outros cancelamentos de obras polêmicas no futuro. Você concorda com essa afirmação? Acredita que o caso de A Serbian Film abriu precedentes no Brasil?

    A Serbian Film abriu precedentes perigosíssimos para a cultura brasileira. Seguindo a atitude dos defensores da proibição eu poderia tranquilamente denunciar qualquer obra cinematográfica que a pudesse julgar como ofensiva, e um juiz poderia bloquear sua exibição sem nem ter assistido antes. Isso vai contra a liberdade de expressão e contra a escolha do espectador cinematográfico maior de idade, que não pode assistir a um filme pois outras pessoas decidiram o que é certo para ele.

    Com toda a polêmica, tanto A Serbian Film quanto A Entrevista receberam grande atenção na mídia. Em que medida esta repercussão é positiva, e de que modo ela pode afetar negativamente o filme?

    No caso de A Serbian Film, infelizmente, foi negativa em quase todos os aspectos. Até quando o filme estava proibido somente no Rio de Janeiro, exibidores de todo o Brasil estavam interessadíssimos em exibi-lo. Quando a proibição chegou em escala nacional e um ano depois foi proibido, não encontramos nenhuma sala disponível: com o tempo, alguns exibidores amigos e parceiros programaram o filme. O fato também é que a maioria das salas independentes brasileiras tem patrocínios ou mantenedores: o responsável de uma sala importante do Brasil me disse claramente ter recebido ordem de seu patrocinador para não exibir o filme. Já A Entrevista é um filme de major, que será (espero!) exibido em multiplexes e que já tem suas plataformas de exibição consolidadas; não será difícil encontrar espectadores se a Sony decidir liberar sua exibição no futuro.

    Você acredita que estes casos representam afrontas à democracia, à liberdade de expressão? O que acredita que poderíamos fazer, tanto no caso de A Serbian Film quanto de A Entrevista, para enfrentar estas questões?

    A censura de A Serbian Film foi uma das maiores afrontas à liberdade de expressão numa obra cinematográfica no Brasil desde o fim da ditadura militar. Sua liberação, além de ser um alívio para nós que o distribuímos, foi também uma vitória da liberdade de expressão; porém temos que ficar atentos aos mecanismos que levaram à censura do filme, como ao silêncio das autoridades, que liberaram o filme somente depois da poeira ter baixado. No caso de A Serbian Film, um dos maiores "defensores" era o público da web, que baixou o filme por vias não oficiais. Milhares de brasileiros baixaram o filme e criaram sua opinião, além de ver que A Serbian Film nada mais era que um filme de gênero que cumpria sua promessa de sangue e crueldade. Eu acho que a maior arma que a Sony poderia usar contra as ameaças de censura de A Entrevista seria nada menos que seu vazamento. Para que todos pudessem ver!

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