A Semana dos Realizadores 2014 trouxe dois longas-metragens aguardados na tarde de terça-feira: Campo de Flamingos Sem Flamingos, filme português selecionado no IndieLisboa, e É Tudo Mentira, filme coletivo sobre as manifestações de junho contra o aumento das passagens de ônibus. Mas o grande destaque do dia foi um belíssimo curta-metragem apresentado antes das duas sessões: Rafa, de João Salaviza.
Rafa mostra um dia na vida de um garoto português de 13 anos, que viaja a Lisboa para tirar a sua mãe da prisão. A história possui um grau de realismo e uma segurança na direção invejáveis, além de bons diálogos e ótimas atuações de Rodrigo Perdigão e Joana Verona. As imagens são tão belas, e o conteúdo social é mostrado com tanta delicadeza e profundidade, que o único porém nesta história é vê-la terminar ao fim de 25 minutos, enquanto ainda tinha muito mais a dizer e mostrar. Sem surpresa, a obra de Salaviza venceu o Urso de Ouro de melhor curta-metragem.
Campo de Flamingos Sem Flamingos escolhe uma maneira inusitada de falar das paisagens e da natureza de Portugal. O diretor André Príncipe alterna entre grandes cenas idílicas da natureza (com uma fotografia excepcional, explorando os dias nublados e as florestas escuras) e momentos de denúncia política sobre o tratamento desta mesma natureza, incluindo discursos de parlamentares na televisão e imagens de cadáveres de animais empilhados no chão. Nem sempre os dois discursos se completam muito bem, e às vezes o ritmo parece arrastado, mas ao menos a obra busca uma maneira estética de fazer política - qualidade rara hoje em dia.
Passando de Portugal ao Brasil, É Tudo Mentira constitui um olhar bastante brasileiro sobre as manifestações populares de junho de 2013, quando vários jovens foram às ruas para protestar contra o aumento das passagens de ônibus. O documentário, realizado pelo coletivo No Pasarán (que se apresentou no festival com o rosto devidamente coberto), é muito feliz na denúncia dos abusos policiais, do descaso dos governadores e da manipulação da mídia, em especial a Rede Globo. No entanto, o filme tem menos sucesso na apresentação do contexto político e na exposição das motivações dos ativistas. Embora É Tudo Mentira seja apresentado como "um filme propositivo", ele funciona melhor como oposição do que como proposta política concreta.