O que pode haver em comum entre uma ficção de guerra e um documentário sobre sexualidade? A resposta é o maior tradutor da literatura russa no Brasil. Díspares na temática e formato, A Estrada 47 e De Gravata e Unha Vermelha foram os dois últimos filmes a entrar na disputa pelo Troféu Mucuripe no Cine Ceará 2014. Os longas-metragens brasileiros foram exibidos na noite dessa sexta, 21, no Theatro José de Alencar. Os vencedores do festival serão anunciados na noite deste sábado.
O diretor de A Estrada 47, Vicente Ferraz (Soy Cuba - O Mamute Siberiano), dedicou a exibição do filme ao tradutor, escritor e ensaísta ucraniano radicado no Brasil Boris Schnaiderman, que vem a ser o pai da cineasta responsável por De Gravata e Unha Vermelha, Miriam Chnaiderman (a diretora optou por um sobrenome artístico de grafia diferente).
“O pai da Miriam me fez entender um pouco dessa aventura”, disse Ferraz. A aventura a que ele se refere é a participação de um grupo de combatentes da Força Expedicionária Brasileira (FEB) que reforçou a luta dos Aliados na Segunda Guerra Mundial. Considerados desertores, eles ajudaram os americanos a avançar pela Itália ao abrir a tal Estrada 47 do título.
Entre eles estava Boris Schnaiderman, que escreveu um livro de ficção sobre a experiência, "Guerra em Surdina". “Mais do que fazer um filme de guerra”, rechaça o diretor, “eu queria contar a história desses jovens”, interpretados por Daniel de Oliveira, Júlio Andrade, Francisco Gaspar, Thogun Teixeira e Ivo Canelas. Ele dedicou a sessão a Boris.
Para confundir, não para explicar.
Prêmio Félix (temática homossexual) de melhor documentário no último Festival do Rio, o filme de Miriam adota uma linha Chacrinha de “confundir, não para explicar”, como explicou a diretora: “De Gravata e Unha Vermelha fala da bagunça do que é ser homem e mulher nos dias de hoje. Vocês vão sair mais confusos da sessão”, provocou.
Para a realizadora, que subiu ao palco acompanhada do estilista Dudu Bertholini e da psicanalista Letícia Lanz, entrevistados do filme, De Gravata e A Estrada se assemelham na “quebra de estigma”. O documentário aborda os variados tipos de (trans)sexualidade a partir de depoimentos de Ney Matogrosso, Laerte Coutinho, Rogéria, entre outros.
Chnaiderman revelou que está considerando a ideia de fazer um documentário sobre o envelhecimento dessas pessoas. “Ao longo das entrevistas [para o De Gravava], percebi que essa é uma questão central para eles”. Já Vicente também deve orbitar o universo deste último filme em seu próximo projeto, que será uma série documental para televisão com o mesmo tema de A Estrada 47. O primeiro episódio será sobre Boris Schnaiderman e o seguinte, Nikolau Whitt, um ex-combatente alemão que vive no Brasil.
De Bastardos Inglórios para A Estrada 47.
A Estrada já havia sido exibido no Festival do Rio do ano passado, quando recebeu o prêmio de montagem – e menção honrosa para o ator Francisco Gaspar – e foi o maior vitorioso da última edição do Festival de Gramado (melhor filme e desenho de som). Em entrevista coletiva, a produtora Isabel Martinez revelou considerar a versão final do filme a que foi exibida no festival gaúcho.
“Havia algumas questões técnicas para acertar, como a mixagem do som”, disse. Ela adiantou que o filme ainda continua o percurso de festivais – estarão no evento de Havana – e estreará simultaneamente no Brasil, Itália (onde se passa) e Portugal – ambos países coprodutores – em 8 de maio de 2015, data exata quando se comemoram os 70 anos do Dia da Vitória dos Aliados.
No encontro com a imprensa, Vicente ainda contou como foi seu primeiro encontro com o ator alemão Richard Sammel (Bastardos Inglórios). “Depois que eu falei, ingenuamente, que era para fazer o papel de um soldado alemão na Segunda Guerra, ele agradeceu, mas recusou, dizendo que já havia feito muitos papéis parecidos. Ele só se interessou no final, quando eu disse: ‘mas você vai ser capturado por combatentes brasileiros’”. Aí, ele pediu para que enviasse o roteiro e logo topou.