“A minha intenção era dar uma bofetada de realidade em nossas consciências, refletir sobre o que fizemos de errado para cair nessa situação”. A crise espanhola da última década, decorrente sobretudo da especulação financeira que resultou em uma das maiores taxas de desemprego da Europa, é o pano de fundo de Os Fenômenos.
O longa-metragem entrou na disputa pelo Troféu Mucuripe do Cine Ceará na noite dessa quinta-feira, 20, apresentado no palco do Theatro José de Alencar pelo diretor do filme, Alfonso Zarauza.
Se o tema é duro, o cineasta europeu conseguiu articular uma história fictícia muito bem amarrada para abordar a temática – é dele também o roteiro. Na obra, Lola Dueñas – uma das musas de Pedro Almodóvar, com quem trabalhou em filmes como Os Amantes Passageiros, Abraços Partidos, Volver, Fale com Ela e em outras produções conhecidas do cinema espanhol no Brasil como Mar Adentro – vive a protagonista.
Ela é Neneta, uma mulher que resolveu arriscar uma vida de aventuras ao lado do namorado, Lobo (Luis Tosar), com quem tem um filho recém-nascido. A partir do momento em que ela é abandonada pelo cara, se vê obrigada a aceitar um trabalho como "peão de obras" de uma construtora e vai se encaminhando para uma vida mais careta.
Lola tem uma “loucura que é maravilhosa”, o diretor elogia a atriz. “Ensaiamos muito, mas às vezes ela mudava a cena na hora de rodar. Em um determinado momento, ela tinha uma fala de um minuto, que acabou substituindo por um tapa na cara do [Luis] Tosar”, exemplificou Zarauza. “E eu não esperava que fosse tão forte. O rosto dele ficou inchado”. Essa foi a bofetada literal de Os Fenômenos – cujo título, irônico, se refere à maneira como o chefe da construtora chama os empregados mais produtivos.
"Terça-feira ao Sol".
A julgar pela temática, o filme lembra uma produção já clássica do país ibérico: Segunda-feira ao Sol – também estrelada por Luis Tosar, outro ícone do cinema espanhol contemporâneo, que atuou também em Miami Vice, Lope (do brasileiro Andrucha Waddington) e esteve recentemente em cartaz no Brasil com O Que os Homens Falam.
O realizador não esconde a relação entre as duas produções: “Mais de dez anos depois [de Segunda-feira ao Sol, 2001], temos o mesmo problema, só que multiplicado por 100. É muito provável que [Os Fenômenos] seja encarado como uma continuação”. Na coletiva de imprensa na manhã desta sexta-feira, a diretora do Cine Ceará, Margarita Hernandez, brincou chamando o filme de “Terça-feira ao Sol”.
Com bons diálogos e personagens muito bem construídos – destoando, até, do que, em geral, os curadores do evento exibiram nesses cinco dias, Os Fenômenos estreou no Festival de Málaga em março deste ano e, desde então, percorreu cerca de 15 festivais – ainda selecionado para Havana e Índia. Na Espanha, estreia comercialmente em 10 de dezembro.
Homenagem a Nelson Xavier.
“Na vida só existem duas coisas: o amor e a obra. Então, eu, como artista, estou realizado”, disse um emocionado Nelson Xavier, que aos 73 anos, tendo atuado em mais de 90 produções, dedicou o Troféu Eusélio Oliveira à esposa, a atriz Via Negromonte. Destaque de produções como Eles Não Usam Black-tie (1981), Narradores de Javé (2003) e, mais recentemente, Chico Xavier – O Filme (2010), Nelson recebeu o prêmio justamente como reconhecimento pela contribuição do artista ao cinema nacional.
Antes, o três últimos curtas-metragens brasileiros em competição entraram na disputa pelo troféu Mucuripe: a ficção Menino da Gamboa (BA), representado pelos diretores Pedro Perazzo e Rodrigo Luna; Edifício Tatuapé Mahal, pelo animador Fabio Yamaji (SP); e Joaquim Bralhador, também ficcional, apresentado pelo dono da casa, Márcio Câmara e equipe.
O Sal da Terra, o documentário sobre Sebastião Salgado dirigido pelo filho do fotógrafo, Juliano Salgado em parceria com o cineasta Wim Wenders, também foi projetado, mas fora da mostra competitiva.