No Robarás (a menos que sea necesario). E, para Lucía (Vanessa Alvario), foi. A estudante de 15 anos vê sua mãe ser presa, depois que a cabeleireira acidentalmente fere o padrasto da menina, um homem violento. A jovem, então, se vê em uma situação precária, em que tem que cuidar dos três irmãos pequenos enquanto tenta tirar a mãe do confinamento.
“No Equador não há uma política pública de assistência a adolescentes e crianças sem pais”, relata a atriz protagonista, que apresentou o filme na terceira noite de competição do Cine Ceará, nesta segunda-feira, 17. (Por seu trabalho, Alvario recebeu o troféu de melhor atriz no último Festival de Havana). Já a respeito da produção cinematográfica, pelo menos, o governo nacional tem se empenhado em dar apoio financeiro, segundo o curador da mostra de longas-metragens do festival, Alfredo Calvino.
“Desde o [presidente Rafael] Correa [2007-atual], há uma preocupação em dar suporte ao cinema no país, a partir de uma legislação própria”, com o Conselho Nacional Cinematográfico do Equador, aponta o responsável pela seleção desse tipo de filme. “Até então, o único realizador do país realmente conhecido era o diretor Sebastian Cordero (Pescador)”, cuja segunda obra, Crónicas (2004), foi premiada em Sundance e selecionada para o prestigiado Festival de Cannes.
No Robarás Vs. O Homem de Aço.
A atriz e o curador estimam que hoje haja cerca de 350 salas de cinema no país, que tem aproximadamente 15 milhões de habitantes. E são produzidos cerca de dez longas-metragens por ano por lá, ainda de acordo com os dois. Assim, como no restante da América Latina (no mundo?), a competição com Hollywood é inevitável.
No Robarás estreou em circuito comercial em Quito em 2013 na mesma semana que Homem de Aço. “Estreamos em poucas salas e ficamos apenas três semanas em cartaz, mas a média de público foi boa, sobretudo composto por jovens”, comemorou Alvario. Mas Calvino estima que menos de 5% do público total investe em bilhetes de produções nacionais.
Se a precariedade em que vive sua personagem, por um lado, guarda um enorme paralelo com a situação socioeconômica do restante do continente (Brasil incluído), por outro, o filme carece de um apuro técnico básico, questão superada pela maioria das cinematografias irmãs.
A diretora e roteirista Viviana Cordero – e o sobrenome não é coincidência: ela é irmã do renomado Sebastián – pesa a mão na construção dos personagens, bidimensionais, e das situações, assaltadas de clichês.
A grande maioria do elenco nunca havia feito cinema ou sequer atuado. A jovem atriz protagonista ensaiou entre quatro e cinco horas diárias durante quatro meses – incluindo aula de canto, já que sua personagem é uma descolada líder de uma banda punk. No período preparatório, no entanto, o elenco jovem facilmente se dispersava. “Às vezes um [dos garotos] saía para beber cerveja, e a gente tinha que ir atrás”, confessou.
A despeito da boa interpretação de Vanessa – que estudava contabilidade e foi relutante em participar do casting há três anos atrás – as demais atuações são sofríveis, incluindo a performance de uma das únicas profissionais em cena, Ana María Balarezo, que vive a mãe.
Ciente das dificuldades da profissão em seu país, ao contrário da maioria das jovens deslumbradas por uma carreira no cinema, Vanessa Alvarioz, hoje com 19 anos, ainda não pretende se dedicar às artes cênicas. Pelo menos, não até terminar o curso de economia. “A economia é a minha carreira profissional, a interpretação é a carreira passional”, declarou.
Sobre o porquê da seleção da produção equatoriana, tecnicamente inferior - e destoante - do restante dos filmes exibidos no festival cearense, o curador apontou a “diversidade” como critério. “Além do mais, No Robarás é um filme que circulou por diversos festivais de cinema ao redor do mundo, em Chicago, Nova York, Bélgica, França, Itália, além de Havana, claro”.
Cinema anti-glamour e casting de cachorro.
A terceira noite do Cine Ceará começou com uma homenagem ao cineasta brasileiro João Batista de Andrade que, com mais de 40 anos de carreira, ficou conhecido pelo cinema de cunho social. Ele subiu ao palco do Theatro José de Alencar para receber o troféu Eusélio de Oliveira. “Me encantei quando descobri [nos anos 1960] que o cinema não era necessariamente o glamour de Hollywood. E que a gente podia fazer cinema com os aspectos locais”, declarou o diretor de filmes como A Próxima Vítima (1983) e O Homem que Virou Suco (1979).
Entre os curtas-metragens, entraram na briga pelo troféu Mucuripe De Castigo (SP) – sem representante no festival – e O Relâmpago e a Febre, apresentado pelo diretor, o gaúcho Gilson Vargas. Ambos são obras de ficção. Este último é protagonizado pelo cachorro Zeus. “Nunca imaginei que ia fazer casting de cachorro na vida. Mas eu buscava uma partitura de emoções muito específica”, disse o cineasta. “Zeus é um cão aposentado da brigada militar de Porto Alegre”. A noite terminou com a exibição especial do curta Sobrevivente do Mundo, Glauber Filho.