Depois da exibição de um filme paulista (Sem Pena), um pernambucano (Brasil S/A) e um paraibano (Pingo d'Água), chegou a hora de uma produção local ser apresentada no festival de Brasília. Sem surpresas, a sessão do filme brasiliense Branco Sai. Preto Fica esgotou os ingressos muito antes da sessão, e contou com uma plateia eufórica diante da presença do popular cineasta Adirley Queirós. Antes desta projeção, foram exibidos dois curtas-metragens: Nua Por Dentro do Couro e Castillo y el Armado.
Cuidado com as vizinhas
Nua Por Dentro do Couro, de Lucas Sá, apresenta uma galeria de personagens sinistros vivendo no mesmo prédio. De um lado, uma garota (Miriã Possani) com um estranho tapa olho, convivendo com duas amigas adolescentes. Do outro lado, uma mulher solitária (a talentosa Gilda Nomacce), que compra uma quantidade impressionante de carnes para a sua casa. Elas se cruzam, se estranham, até finalmente entrarem em contato uma com a outra. Partindo de um início naturalista, o cineasta adentra cada vez mais o terreno da comédia de terror, culminando em um desfecho inesperado e sangrento. O filme faz uma perturbadora mistura de registros e tipos de imagem.
O homem e o mar
Já a animação Castillo y el Armado, também selecionada no festival de Veneza, traz a história de um pescador que não consegue encontrar mais peixes, até se deparar com um imenso monstro aquático, e tentar pegá-lo a qualquer preço. As referências a Moby Dick e a O Velho e o Mar são evidentes, e assumidas pelo diretor Pedro Harris na coletiva de imprensa. A animação impressiona, especialmente quando os traços se tornam mais agressivos e abstratos durante a caça ao animal. O roteiro, no entanto, é bastante simples, e conta com uma conclusão menos potente do que a estética parecia anunciar.
Futurismo na periferia
Branco Sai. Preto Fica é uma obra atípica, uma combinação de gêneros inesperada e funcional. O cineasta Adirley Queirós traz a história de dois amigos da Ceilândia, um amputado de uma perna, e o outro, paraplégico, após o truculento ataque policial em uma festa na periferia. Por falta de justiça, o roteiro imagina um homem vindo do futuro, para colher provas e abrir um processo contra o Estado. A produção faz um bom uso do orçamento limitado, trabalhando com ótimas locações, e criando um imaginário futurista simples, mas eficiente (o tradicional disco voador, por exemplo, é trocado por um container). O final também conta com uma surpresa simbolicamente eficiente, e contestadora do ponto de vista político. Pode-se lamentar, no entanto, que o homem do futuro não interaja diretamente com os dois amigos, e que eles mesmos tenham um desenvolvimento psicológico modesto. Leia a nossa crítica.
Esta noite, o longa-metragem apresentado em competição é Ventos de Agosto, de Gabriel Mascaro, além dos curtas-metragens B-Flat, de Mariana Youssef, e Luz, de Gabriel Medeiros.