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    Toronto 2014: “É um trabalho artístico de exportação”, diz único brasileiro selecionado (exclusivo)

    Gregório Graziosi comemora a recepção de sua estreia em longas-metragens, Obra, no Canadá, e está na expectativa da primeira exibição do filme no Brasil, no Festival do Rio.

    “O roteirista e diretor Gregorio Graziosi usa cinematografia severa e paisagens densas para dar  presença palpável à cidade de São Paulo nessa impressionante estreia na direção de longas-metragens, sobre um homem levado a descobrir a verdade sombria de suas origens”. Assim a programadora Diana Sanchez definiu Obra, no texto de apresentação da obra, selecionada para a mostra Discovery – definida como “o futuro do cinema mundial” – do Festival de Toronto (TIFF), onde fez sua estreia mundial.

    O homem é o arquiteto João Carlos Ribeiro de Almeida Neto (Irandhir Santos). Casado com a inglesa Elizabeth (Lola Peploe, afilhada de Bernardo Bertolucci, com trabalhou como atriz em Beleza Roubada, e assistente de direção em Os Sonhadores), eles estão à espera do primeiro filho. O conflito tem início quando João Carlos descobre uma ossada em um terreno que está construindo, que pertencia ao avô (o mestre de obras vivido por Júlio Andrade o questiona). E se estende para uma hérnia de disco, outra ingrata herança do arquiteto.

    Roteirista de Boa Sorte, Meu Amor (Daniel Aragão), Gregório também contribuiu com o ainda inédito Permanência (Leonardo Lacca) e agora, o paulista de 30 anos chega ao seu debut no formato longo com um filme em preto e branco depois de passar pelos curtas – cinco ao todo, que inclusive circularam fora do país. Só para o tradicional Festival de Locarno (Suíça) ele levou três deles na mala. E foi lá que ele conheceu Lola. Agora, Graziosi se prepara para encarar a audiência brasileira, com sua estreia no Festival do Rio este mês.

    AdoroCinema: como foi a transição dos curtas para o longa-metragem?

    Gregorio Graziosi: Eu tive sorte de os meus curtas circularem vários festivais e sentia que o que eu queria narrar já não cabia mais dentro do formato. Não acho necessário, mas começar pelos curtas me deu uma espécie de embasamento, de segurança. Por outro lado, o meu universo temático (ele estudou a relação personagem/ espaço dentro do cinema de Michelangelo Antonioni) já estava se repetindo. Então, fui intimado por alguns programadores de festivais a fazer um longa. Eu não tinha muita habilidade para escrever, então comecei a desenhar as cenas, os personagens, a relação entre eles.

    Você comentou na primeira sessão do filme que Obra tem um aspecto fortemente pessoal. Qual seria?

    Eu venho de uma família de arquitetos. O meu pai é, meu avô era.  Eu comecei a estudar arquitetura, mas larguei o curso para fazer cinema. Quebrei essa linhagem. De alguma maneira, eu os homenageio com o filme. O personagem principal tem o nome do meu pai, João Carlos. E a mulher leva o nome da minha mãe, Elizabeth. Eu também uso o desenho para me expressar.

    E como você chegou a esse elenco?

    O Júlio (Andrade, com quem trabalhou no curta Mira) foi o primeiro ator em quem eu pensei para o filme. Ele é o antagonista, que exigia uma presença forte. Já o Irandhir me impressionou no set de Permanência. No Obra, é um personagem que fala pouco, mas tem um trabalho físico excelente. A Lola eu a conheci no Festival de Locarno. Ela gostou muito do meu curta (Monumentos) e eu fiquei encantado com ela, que tem graça e leveza. Eu precisava de um personagem que fosse um escape. E achei interessante ter esse casal internacional. Ela fala inglês, ele português. E o engraçado é que, na época, em Locarno, o Kleber (Mendonça) estava junto com a esposa, a Emelie (Lesclaux), ele falando em português e ela em francês e os dois se comunicando bem. É uma dinâmica muito interessante.

     

    E como o filme foi recebido em Toronto?

    Na primeira sessão, aberta ao debate com o público, uma pessoa perguntou sobre a ausência do movimento de câmera; outra, sobre a relação do molde (a maquete do prédio) com o corpo do protagonista; uma chamou a atenção para a violência silenciosa que existe dentro do filme. A gente pensou que, pelo fato de ter pouco diálogo, as pessoas poderiam achar parado, e uma senhora disse que ficou com dor no corpo (a exemplo do personagem) no fim da exibição. Nós sabíamos que tínhamos feito um filme difícil, e quando a gente vê esses códigos decifrados... Esse é um festival que tem impacto na vida das pessoas que o frequentam. Elas são instigadas a discutir, a ver um filme diferente.

    E no Brasil, como imagina que o público vai reagir?

    Eu acho que as pessoas vão entender questões diferentes. Obra lida com pessoas universais, mas é muito paulistano. Então, talvez quem mora em São Paulo se identifique com a sonoridade, com a questão visual. Quem está dentro do Brasil – e da América do Sul – vai sacar uma possível relação com o período da ditadura também.

    A expectativa de bilheteria...

    Sem expectativa. Um festival de cinema é importantíssimo para a divulgação em outros festivais. É um trabalho de venda desse filme para outros países. Acho que Obra pode ser mais visto fora do que dentro do Brasil. A gente está aqui apresentando um trabalho artístico de exportação. Isso acontece não porque eu quero, mas porque a gente vive um momento antagônico em que temos uma nova geração de realizadores fazendo bons trabalhos, mas não consegue distribuir esses filmes dentro do próprio país. Obra tem distribuidor, o Espaço Itaú de Cinema, e um agente de vendas internacional, que é o Sandro Fiorin, da FiGa Films. E vai ser lançado no primeiro semestre de 2015.

    Dos filmes que você assistiu no TIFF, o que te chamou a atenção?

    Eu assisti ao Foxcatcher, cujo diretor tem uma potência narrativa enorme, arrojada – e tem um personagem estranhíssimo (Steve Carell). Esse cara (Bennett Miller) tem muito talento. É um cinemão, em que todos os atores estão bem.

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