Cinema nem sempre é apenas entretenimento e, em muitos casos, pode servir para revelar (ou ressaltar) situações arbitrárias de todo tipo - Costa-Gavras que o diga, como fez com brilhantismo em Desaparecido e Z. O Festival de Veneza deste ano tem em sua programação um exemplar típico de filme denúncia: 99 Homes, novo trabalho do diretor Ramin Bahrani (A Qualquer Preço). O alvo é a exploração imobiliária nos Estados Unidos, que permite o despejo de famílias em nome dos interesses de bancos locais.
Para contar esta história, mencionada por alto no documentário Capitalismo - Uma História de Amor, o diretor escalou Michael Shannon e Andrew Garfield como protagonistas que, inicialmente, são antagonistas. Shannon é o predador imobiliário, que expulsa Garfield e sua família da casa onde cresceu. Sem dinheiro e vivendo em um hotel de baixo nível, o jovem aceita trabalhar para Shannon e, aos poucos, se torna uma cópia (quase) exata do patrão. Ou seja, vende a alma ao diabo para que possa melhorar de vida.
A bem da verdade, 99 Homes traz o grande dilema moral do capitalismo, tão bem representado pela economia norte-americana: é mais importante ganhar dinheiro a todo custo ou pensar no bem-estar de seus cidadãos, mesmo que isto represente o financiamento da parcela mais pobre da população? O tema, que também norteia a saúde pública nos Estados Unidos, explodiu de vez com a bolha imobiliária do século XXI, na qual várias famílias de classe média hipotecaram suas casas e depois não conseguiram quitar a dívida, devido à desvalorização dos imóveis.
Por mais que seja um tema bastante importante, o diretor Ramin Bahrani comete o pecado capital de ser extremamente manipulador em 99 Homes. Para destacar os dois lados da moeda e que o "lado bom" pode se corromper, dependendo do que há em jogo, há um excesso de maniqueísmo que desvaloriza a história e a torna previsível. Ainda assim, é fácil se afeiçoar ao filme, já que ele adota explicitamente a defesa de um modelo mais humano no capitalismo.
Na coletiva concedida hoje, Bahrani ressaltou o porquê das pessoas se identificarem tanto com o filme: "Trata-se de um tema global, este tipo de corrupção tem sido sistêmico ao redor do planeta". A gravidade do assunto foi ressaltada por Andrew Garfield, que é também produtor executivo do longa-metragem: "É impossível fazer este filme sem se envolver". 99 Homes ainda não tem previsão de lançamento nos cinemas brasileiros.