Estreia nesta quinta-feira, dia 31 de julho, o drama nacional O Homem das Multidões, dirigido por Marcelo Gomes e Cao Guimarães. O filme traz a história de Juvenal (Paulo André) e Margô (Sílvia Lourenço), dois solitários que tentam estabelecer contatos no caos da metrópole.
O filme, baseado no conto homônimo de Edgar Allan Poe, chama a atenção pelo formato de tela quadrado, pelas cores frias e pela história minimalista, que cativou a crítica. O Homem das Multidões venceu o prêmio de melhor direção no festival do Rio, e foi selecionado na mostra Panorama do festival de Berlim. Marcelo Gomes e Cao Guimarães conversaram em exclusividade com o AdoroCinema sobre este projeto, justificando as escolhas da imagem e falando sobre a ideia da solidão na cidade.
Origem do projeto
Cao Guimarães: "O projeto tem muito tempo, quase uma década. Quando eu conheci o Marcelo, em Belo Horizonte, ele estava montando Cinema, Aspirina e Urubus, e eu participei um pouco da montagem. Ele viu A Alma do Osso na época, e eu falei para ele desse projeto, parte da trilogia da solidão. Eu falei do conto do Edgar Allan Poe, sobre esse personagem inaugural na literatura, mas ele seria inserido na contemporaneidade, na metrópole do século XXI. Eu queria pensar essa temática da solidão na grande metrópole. Ele topou a ideia de fazer o filme juntos, e em 2007 ficamos dois meses escrevendo o roteiro. Esse foi um projeto meio feito nas horas vagas, mas quando o roteiro ficou pronto, buscamos o financiamento e rodamos só em 2010".
Marcelo Gomes: "Quando a gente se conheceu, o Cao gostou muito do meu trabalho com os atores, e eu fiquei muito impressionado com A Alma do Osso. A gente começou a discutir como seria esse filme, e eu criei uma ponte para desenvolver um projeto na Alemanha. A gente foi para lá criar uma primeira versão do roteiro. Vimos que a parceria estava dando certo, e seguimos em frente. A partir daí entramos nos editais e decidimos que a gente deveria fazer uma pesquisa com solitários em Belo Horizonte, porque isso serviria de base para o roteiro e os personagens. Depois construímos a equipe, composta por mineiros, cearenses e pernambucanos. É um filme completamente fora do eixo! Eu tinha uma preocupação maior com os atores, o Cao pensava mais na parte plástica, na textura das imagens. Foi uma contribuição muito calorosa, muito divertida, apesar do tema tão duro. Foi um filme muito alegre".
Tela quadrada
Cao Guimarães: "Depois de traçar os sentimentos do personagem, tentamos transformar o filme em algo mais claustrofóbico. E o quadrado achata as bordas, ganha profundidade, torna a multidão mais compacta. O retângulo, como nos faroestes, combina mais com a paisagem, com o homem sozinho. Mas O Homem das Multidões tem muito do sentimento do personagem, e pensei 'Por que não?' Por que somos obrigados a ver tudo? Outras artes já ultrapassaram e exploraram a moldura há tanto tempo, e o cinema continua engessado nesse formato. Por que não brincar um pouco com isso, instigar o espectador a ver de outra forma? Eu já tinha fotografado no formato quadrado, em polaroide. A graça foi descobrir a potência deste formato, através do extra campo, do que fica fora da imagem. Este é o espaço de intersecção com o público. O espectador fica ativo, e é isso que a gente quer com o nosso cinema. No filme, não tem uma explanação do passado, nem do futuro dos personagens. Ele é um recorte do tempo, assim como o quadrado é um recorte no espaço. Por isso, achamos este formato muito potente".
Marcelo Gomes: "Quem sentiu isso foram os personagens. À medida que foram sendo verticalizados, impregnados de sentimentos, eles necessitavam da multidão, do ambiente claustrofóbico. Nada melhor do que fechar o quadro para dar essa ideia de claustrofobia".
Cores frias, tristes
Cao Guimarães: "A polaroide também tem as cores dessaturadas. Nos meus últimos trabalhos, eu sempre trabalhei a dessaturação, que também é a dessaturação da existência do personagem. Não vou querer filmar um solitário com cores vibrantes, não combinaria. Prefiro as cores pastéis, tem mais a ver com o filme. Por exemplo, mostramos O Homem das Multidões em Berlim, e as pessoas de lá diziam que se parecia com Berlim oriental. A temática e a estética têm algo universal, e é isso que a gente queria. Não é mais um filme brasileiro, com favela. Este filme poderia se passar em qualquer grande cidade do mundo".
Escolha dos atores
Marcelo Gomes: "A gente fez testes com 100, 150 atores e chegamos a Paulo André. Achamos que ele tinha algo no olhar. Depois pensamos no personagem feminino, a gente fez novos testes, e tínhamos um desejo de trabalhar com a Sílvia Lourenço. Para o pai, procuramos alguém semelhante fisicamente ao Paulo André, e pensamos no Jean-Claude Bernardet, que estava impressionante em FilmeFobia. Existem muitos não atores contracenando com eles, de Belo Horizonte mesmo. A principal referência para compor os personagens era o conto de Edgar Allan Poe, que lemos juntos. Os atores precisavam trabalhar o silêncio. Foi um longo projeto, observando solitários nas ruas, nos bares... e depois trabalhado nos ensaios".
Trabalhar em parceria
Cao Guimarães: "Eu já dirigi vários filmes com outras pessoas, e gosto bastante. É preciso ter uma vontade, um respeito, uma admiração pública e a vontade de aprender um com o outro. Obviamente, Marcelo tem uma experiência maior com produções grandes, equipes de quarenta pessoas. Meu processo de filmagem era diferente, com equipes reduzidas. Mas nós queríamos essa troca. Eu queria experimentar um filme de maior tamanho, e o Marcelo buscava algo minimalista. Nossos filmes são diferentes, mas temos em comum os planos longos, a metáfora da solidão, a busca pelo tempo do filme e pelo tempo da vida".
Marcelo Gomes: "A gente tem pensamentos em comum, queremos construir filmes que de uma forma ou de outra instiguem a imaginação, que o espectador possa ler a partir de sua memória afetiva. Quando você encontra uma pessoa com o mesmo gosto cinematográfico que você, tudo fica mais fácil".
Amadurecimento
Marcelo Gomes: "Nos meus filmes, todos os personagens são solitários. A solidão é algo recorrente. Mas o que este filme representa agora é certo amadurecimento no fazer cinematográfico, através da economia de uma série de elementos cinematográficos. O que a gente queria era construir a emoção a partir dos personagens, e que o filme se sustentasse neles. O Homem das Multidões filme representa certa maturação.