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    Paulínia 2014: um balanço da 6ª edição do festival

    Da diversidade à cota; da boa qualidade dos filmes à fraca distribuição do mercado. Cineastas, produtores, curador (Rubens Ewald Filho) e diretor do festival (Ivan Melo), comentam as especificidades da edição 2014.

    Um retrato do (bom) cinema autoral brasileiro recente. É o que revelou o 6º Paulínia Film Festival, que aconteceu na cidade paulista, entre 22 e 27 de julho de 2014. Um recorte dessa produção – de nove filmes do formato – confirma, ainda, a boa fase do cinema pernambucano, com a seleção de A História da Eternidade, o grande vencedor da edição, e Sangue Azul, depois que o estado originou os bem sucedidos O Som ao Redor e Tatuagem no ano passado.

    A História da Eternidade fez chover no sertão. Literalmente, na cidade de Santa Fé, a 60Km de Petrolina, onde a produção foi filmada. De um apuro técnico impressionante, o longa de Camilo Cavalcante, levou cinco prêmios, incluindo o de melhor filme pelo júri oficial e pela imprensa especializada, fato raro em festivais.

    Já para lírico Sangue Azul, o diretor Lírio Ferreira montou o circo na praia. Também literalmente, na ilha de Fernando de Noronha. Ousado na cinematografia, que mistura preto e branco com cores vibrantes; na beleza das imagens, apostando em enquadramentos nada óbvios; e na temática, focada na iminente relação incestuosa de dois irmãos (Daniel de Oliveira e Caroline Abras), injustamente o longa levou apenas dois prêmios, em categorias técnicas (fotografia, para Mauro Pinheiro Jr; e Juliana Prysthon no figurino).

    O júri oficial preferiu o realismo da produção carioca Casa Grande, do estreante Fellipe Barbosa, vencedor de quatro Meninas de Ouro, em categorias importantes, como roteiro (Barbosa), ator coadjuvante (Marcelo Novaes, em grande momento) e atriz coadjuvante (a ótima Clarissa Pinheiro, em seu primeiro papel). A consagração do texto (o ofício do roteirista é declaradamente o preferido de Barbosa, que acumula também as funções de diretor e produtor) foi merecida, e o filme merece uma menção ainda mais especial aos diálogos, os mais críveis do cinema brasileiro recente.

    O público, por sua vez, comprou a tese de redirecionamento de carreira da atriz Deborah Secco e Boa Sorte se saiu como o preferido pela “voz de Deus”. A diretora, Carolina Jabor, em agradecimento, disse estar especialmente tocada com o prêmio: “a gente discutiu muito, se o filme seria comercialmente viável, por se tratar de uma história pesada, envolvendo AIDS, e ela morre no final”. (O que, tecnicamente, não é um spoiler, já que a personagem faz o anúncio logo no início do filme). "Ser reconhecido pelo júri popular mostra que fizemos escolhas certas", concluiu. De fato é o trabalho em que a atriz está mais diferente. Mas uma opção (artística) no fim do filme põe em xeque a qualidade da produção.

    Arte X Utilidade

    O alto nível dos filmes apresentados foi confirmado pelo presidente do júri oficial (composto pela cineasta Anna Muylaert, pelo consultor do audiovisual Carlos Cuadros, a diretora da Mostra Internacional de Cinema em São Paulo, Renata de Almeida, e o roteirista Thiago Dottori), o jornalista Artur Xexéo que, na cerimônia de premiação, fez questão de ressaltar a dificuldade de escolher os melhores, entre os concorrentes.

    Qualidade que, no entanto, (ainda) não se refletiu em comercialização. Quatro dos nove longas (ou seja, menos da metade) têm distribuição garantida: Boa Sorte, pela Imagem; Sangue Azul e Casa Grande, apostas da Imovision; e o documentário de Murilo Salles Aprendi a Jogar com Você, comprado pela Nossa. E, mesmo assim, somente o longa de Carolina Jabor já tem data de estreia definida: 30 de outubro.

    Nem mesmo o nome de Fernanda Montenegro serviu como selo de garantia para que o veterano Domingos Oliveira fechasse de imediato a distribuição do seu Infância. A expectativa do diretor era que um (ou mais) eventual prêmio ajudasse no processo. Mas o filme não recebeu nenhum. Com uma caprichada direção de arte, de época (anos 1950), figurino correto e um roteiro despretensioso, muito bem vestido por “Fernandona”, a produção merece atenção.

    “Hoje em dia, se mostrassem Cidadão Kane para os distribuidores, eles iam dizer ‘é bacana, mas não tem espaço’”, brincou o diretor em debate com a imprensa, antes da premiação.

    O produtor Renato Ciasca.Renato Ciasca, produtor de Sangue Azul, foi outro que já havia feito coro à ausência de “janela” para os lançamentos brasileiros. “Hoje, um lançamento do cinema de entretenimento, de classe média, em shopping, chega com 700 cópias. Não sobra espaço”, desabafou.

    Domingos, aliás, defendeu a substituição da expressão “filme de arte” que, segundo ele, seria aristocrática, para “útil”: “se um filme não der armamentos para enfrentar a vida, não é um 'filme útil'”, definiu.

    Diversidade

    Esse foi o critério central apontado pelo curador do festival, o crítico Rubens Ewald Filho, para fazer a seleção, entre cerca de 70 longas-metragens e 200 curtas assistidos, segundo ele, em pouco mais de duas semanas. “Aparecer um musical, então, foi uma alegria para mim total. Eu arrisco a levar uma chapuletada no final, porque gosto de musical, mas eu preferi arriscar”, disse ele, em entrevista ao AdoroCinema. O criativo filme de Juliana Rojas, Sinfonia da Necrópole, levou apenas uma estatueta, pela trilha sonora.

    A despeito da seleção de Neblina, nitidamente o filme mais fraco em competição, o curador, que é conhecido pela franqueza, devolve a pergunta: “e fui eu quem inventou o sistema de cotas?”. Confuso, o filme é dirigido por Daniel PátaroFernanda Machado (não a atriz) que, naturais da região de Campinas, vizinha a Paulínia, já trabalharam no polo cinematográfico da região.

    O diretor do Festival de Paulínia, Ivan Melo, também participa da seleção – e acrescenta outro critério na lista. “Tanta gente me pergunta qual o perfil do festival, mas não há, não é uma curadoria do tipo ‘cabeça’, Eu sempre quero pegar um pouquinho de tudo que a gente gostaria de produzir no polo. Eu vi o filme do Camilo Cavalcante em Roterdã e achei bacana. Gostaria de fazer um filme desses aqui, mas não vai ter como reproduzir um sertaozão daqueles nos estúdios, então eu trago para o festival”. E conclui: “o objetivo é fazer um pequeno panorama do cinema brasileiro, sem pretensão nenhuma. Mas depende do que a gente tem inscrito também, claro”.

    Autoavaliação

    Esse ano, pela primeira vez, o festival contou com uma seleção de filmes internacionais, mais a mostra infanto-juvenil Festivalzinho, o que resultou em atrasos das sessões principais, praticamente em todas as noites.

    “É muito demorado tirar 1.200 pessoas de uma sala, então, é preciso melhorar a logística. Para a próxima edição, talvez faça um ajuste de horário, para não acavalar tanto as sessões, mudar o sistema de entrada e saída. Mas, na verdade, eu não sabia que viria tanta gente depois do que aconteceu”, confessou Melo, se referindo ao quiproquó dos últimos anos.

    O festival ficou dois anos sem ser realizado plenamente, cancelado pela gestão anterior da prefeitura, e retomado em 2013, com uma edição reduzida e não competitiva. Em 2014, cerca de 24 mil pessoas passaram pelo Theatro Muncipal Paulo Gracindo, única sala onde o festival acontece.

    Rubens avalia: “esse festival acabou sendo bem-sucedido, mas foi um risco muito grande. A gente trabalhou com um orçamento muito baixo, já que não tinha verba prevista para o festival no planejamento do ano da prefeitura. Parece brincadeira (por causa do valor pago aos filmes premiados, num total de R$ 800 mil, o maior do Brasil), mas o dinheiro para os filmes já fazia parte do projeto”.

    Ewald Filho, que também faz a seleção do Festival de Gramado, garante que houve poucas coincidências entre os filmes inscritos nos dois festivais. “Não sei porquê”, ele não arrisca. “A atração daqui (Paulínia) é o dinheiro. Mas a verdade é que as inscrições ficaram abertas pouco tempo, tanto que a gente esticou um pouquinho”. Dos oito longas selecionados para Gramado, há dois em comum com Paulínia: Infância e Sinfonia da Necrópole.

    Pauliniawood

    Esse ano, pela primeira vez, o festival não só apresentou uma programação internacional, como recebeu astros de Hollywood e da Europa no tapete vermelho, como Michael Madsen, Danny GloverJacqueline Bisset e o diretor Abel Ferrara.

    A ideia, garante Ivan, não é incluir os títulos em competição. “Vamos continuar com as sessões internacionais, mas fora de competição. O prêmio que o (ex-prefeito, pai do atual) Edson Moura criou aqui (em dinheiro) é para o cinema brasileiro”.

    A tendência de internacionalização apontada pela organização do festival em 2014 vai na direção contrária, a de atrair dinheiro. “Não posso esquecer que é o festival de um polo cinematográfico. O que a gente quer é trazer pessoas de fora, que poderiam filmar aqui. Vamos dizer que o Abel Ferrara tenha naturalmente um roteiro que precise passar pela américa latina ou uma cidade latino-americana?”, exemplifica.

    O diretor e os demais artistas internacionais conheceram os estúdios. Neste momento, dois deles estão sendo usados por uma produtora independente, que está filmando uma série para o canal FOX.

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