Ela não teve o apoio dos estúdios de Avatar para desenvolver os efeitos especiais; não contou com a equipe de maquiagem de The Walking Dead; e certamente não filmou com a câmera milionária 3D IMAX que Michael Bay usou em Transformers: A Era da Extinção. Às favas! A diretora brasileira Juliana Rojas (Trabalhar Cansa) estreou solo na direção de longas-metragens na segunda noite do 6º Paulínia Film Festival com um musical (!) farsesco (!!) que se passa em um cemitério (!!!).
A jovem diretora de Campinas (cidade vizinha a Paulínia) subiu ao palco do Theatro Municipal Paulo Goulart na noite dessa quarta-feira, 23, acompanhada de vinte duas pessoas de sua equipe – e um bebê – para apresentar Sinfonia da Necrópole que, segundo ela, foi baseado em um caso da cidade natal da mãe, São Vicente de Minas. Com ares de farsa, um toque surreal nonsense e muito humor, o longa conta a história de um aprendiz de coveiro, o sensível Deodato (Eduardo Gomes, ótimo), que deve auxiliar uma nova funcionária do cemitério, a durona Jaqueline (Luciana Paes, excelente!!), contratada para recadastrar os túmulos vazios.
Com letras compostas, em sua grande maioria, por Rojas, os arranjos das canções foram feitos pelo tradicional parceiro profissional dela, Marco Dutra (que codirige Trabalhar Cansa). “A influência vai desde [o compositor alemão] Kurt Weill, aos musicais da Disney”, comentou a diretora em coletiva de imprensa na manhã dessa quinta, 24. Emocionada, ela dedicou a primeira exibição do filme ao pai, morto em janeiro desse ano. O público se divertiu bastante, apesar do horário da exibição que – não propositalmente – varou a meia-noite.
Sinfonia da Necrópole foi o terceiro longa em competição exibido na noite. A disputa pelo prêmio principal de Paulínia começou com outra excelente estreia, o documentário Aprendi a Jogar com Você, do renomado Murilo Salles (Nome Próprio). A produção acompanha um período da vida do casal vivido pelo DJ Duda e a cantora Milka Reis. Em Samambaia, periferia de Brasília, eles tentam viver da música e fazem opções, às vezes, moralmente questionáveis. Mas sempre com bom humor.
Murilo definiu o filme como um "estudo da economia afetiva” - até o enteado, criança, o DJ tenta icluir nos negócios. “Apesar de documentário, há muitos elementos de ficção”, explicou o diretor, com razão. O personagem central, o espontâneo DJ Duda, é quem conduz a narrativa. Em alguns momentos, literalmente, como o próprio explicou na coletiva: “quando o Leo (o fotógrafo Leonardo Bittencourt, que o descobriu) me procurou, pensei: ‘lá vem mais um mala querendo se aproveitar de mim, deve ser sequestro’. Aí, pesquisei o nome do Murilo, e entrei no projeto na intenção de ganhar algum dinheiro. Mas me apeguei ao Leo. Muita coisa eu manipulei”, confessou o “personagem”, citando alguns exemplos de cena.
O segundo longa-metragem a entrar na competitiva foi o outro único documentário na disputa, Neblina, de Daniel Pátaro e da prata da casa Fernanda Machado (natural de Campinas). Com um formato mais clássico, com narração em off e entrevistas agendadas – diferente da obra de Murilo –, o filme parte das ruínas da estação ferroviária de Paranapiacaba (70Km de distância de São Paulo) para discutir a (dis)funcionalidade do transporte público brasileiro.
Fruto de uma extensa pesquisa, ilustrado por um rico material de arquivo, a investigação dos diretores remonta a origem do problema, apresenta uma crítica pertinente e embasada, mas não empolgou o público com o tom duro da produção.
Apresentada pelo jornalista e curador do festival Rubens Ewald Filho e pela atriz Mayana Moura, a noite ainda contou com uma homenagem ao ator João Vitti, com a Medalha Regina Moura, pelo seu projeto Turma do Bem, que garante acesso a tratamento odontológico para crianças carentes.