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    Entrevista exclusiva: Jorge Furtado fala sobre novos filmes, política, jornalismo, séries de TV e mais

    Premiado no Cine PE com seu novo trabalho, Jorge Furtado sentou com o AdoroCinema para um grande bate papo envolvendo vários temas. Confira!

    Conhecido por trabalhos como O Homem que CopiavaMeu Tio Matou um Cara e Saneamento Básico, O FilmeJorge Furtado lançou seu primeiro longa de documentário no Cine PE 2014. Trata-se de O Mercado de Notícias, em que analisa o atual cenário do jornalismo no Brasil, em especial o jornalismo político. O filme foi um dos mais elogiados do festival pernambucano e conquistou o prêmio de Melhor Documentário tanto pelo júri oficial quanto pelo voto do público. O AdoroCinema conversou bastante com o diretor e o resultado você confere na íntegra!

    Como surgiu a ideia do projeto?

    Eu sempre gostei do assunto jornalismo. Eu fiz jornalismo antes de mudar para cinema. Gosto de jornal, gosto de ler notícia, gosto de política e escrevo sobre o assunto. Eu comecei a editar um blog na internet em 97 e lá se vão 17 anos. A gente nem chamava de blog ainda porque essa palavra não existia, chamava Não. Depois criei meu blog no site da Casa de Cinema de Porto Alegre e eu escrevo sempre sobre o assunto. Eu percebia que o jornalismo estava passando por uma transformação muito radical. Com os blogs, com os sites, com o Google, com Twitters e Facebooks chegou-se a pensar no momento em que o jornalismo ia desaparecer. Ou pelo menos a profissão de jornalista iria desaparecer. Se qualquer um pode fazer, por que precisa de um profissional? Se extinguiu o diploma e tudo mais... E eu, que sou um leitor de jornais e de sites, comecei a perceber que a função do jornalista é cada vez mais importante. Nessa torrente interminável de informações que a gente tem, precisamos de alguém que organize. Qualquer um pode pegar um celular e postar uma informação, uma foto, mas isso não é jornalismo. Precisa do cara que vai lá e investiga, que volta no lugar, que publica um negócio errado e se corrige no dia seguinte. O blogueiro não tem esse compromisso. Você pode colocar qualquer asneira no Facebook e não precisa voltar ao assunto. E o jornalista tem que voltar ao assunto. Isso é muito importante, tem que se falar disso.

    Por que a opção por discutir o jornalismo político?

    Tem uma questão política mesmo e eu escolhi o recorde do jornalismo político porque eu me lembro em 2006, quando comecei a fazer este trabalho, a Judith Brito, que era presidente da Associação Nacional de Jornais, disse uma frase, cometendo talvez um “sincericídio”, em que falava que os jornais são a verdadeira oposição. Eu comecei a perceber que era isso que estava acontecendo. Como a oposição política estava muito enfraquecida, e continua assim, o jornalismo passou a ser a oposição, em muitos sentidos. Pararam de fazer jornalismo para fazer política diretamente, então procedimentos jornalísticos básicos, como chegar a fonte ou a autenticidade da notícia, estavam sendo abandonados com a ideia de simplesmente fazer política. Então, decidi fazer um documentário sobre isso. Comecei a estudar a história e fui pesquisar a origem, como começou o jornalismo. Eu li um livro chamado A História Social da Mídia, do Peter Burke e do Asa Briggs, e lá no século XVII, na Inglaterra, ele falava de uma peça do Ben Johnson chamada O Mercado de Notícias, que era sobre jornalismo. Aí eu vi a data, 1625, e me surpreendi. O primeiro jornal inglês é de 1622 e em três anos o cara escreveu uma peça sobre jornalismo. Fui ler a peça, que não tinha tradução para o português. Fui ler em inglês e era um inglês muito complicado. Eu gosto muito de Shakespeare, já até traduzi sonetos e acho que leio melhor o inglês do século XVII do que o de hoje. Quadrinho eu não consigo ler, mas Shakespeare eu consigo. Mas o Ben Johnson era mais complicado ainda, ele era um cronista, falava sobre as coisas de Londres da época. Enquanto Shakespeare falava da Grécia, do Egito ou da Verona distante, o Ben Johnson falava de Londres naquele dia, então tinham muitas referências que não estava entendendo. Eu convidei a Liziane Kugl, uma professora que traduziu comigo dois livros do Lewis Carroll, os dois Alices (Aventuras de Alice no País das Maravilhas e Alice através do espelho), e levamos três anos traduzindo a peça. Depois que eu li a peça, fiquei espantado com a atualidade. É incrível, parece que você está falando de hoje. Todas as questões que discutimos hoje, como a relação com a fonte, o financiamento, o interesse por trás da notícia, tudo isso já existia no surgimento do jornalismo. Aí eu peguei esta peça, convidei 13 jornalistas de política de importância nacional, mandei a peça pra eles e disse que queria entrevistar eles sobre essas questões. Fiz uma pauta de entrevista em cima dos assuntos que a peça levantava e misturei tudo, colocando ainda alguns casos jornalísticos para ir discutindo as atitudes da imprensa.

    Como foi a escolha dos jornalistas?

    A seleção foi muito pessoal. Na verdade, eu convidei os jornalistas que eu leio, que eu gosto e que eu respeito. É claro que existem outros, mas eu tinha um limite. Só dois jornalistas que eu convidei não estão no filme. Um porque não aceitou, que foi o Elio Gaspari. Ele me atendeu muito gentilmente, mas não aceitou, ele não dá entrevistas. E o outro foi o Caco Barcelos, que aceitou. Estava tudo armado para fazer, mas no dia ele teve que fazer uma matéria no nordeste e acabou se atrasando e não pude fazer a entrevista com ele.

    Como está preparando o lançamento do filme?

    O filme vai ser lançado nos cinemas. Num circuito de documentários, sem muitas cópias, mas espero que ele tenha uma boa circulação nas universidades e nas escolas para que se discuta o jornalismo. Acho que ele pode ser útil em debates.

    Já tem previsão de estreia?

    Não, data ainda não tem. Ainda estamos discutindo com o distribuidor como lançar. Se vai lançar todas as cópias ao mesmo tempo em várias cidades ou se é melhor fazer regionalizado e viajar junto com o filme. Ainda estamos estudando.

    O filme relata o incidente da “Bolinha de Papel” do Serra para criticar a atuação da imprensa nas eleições de 2010. Temos uma nova eleição chegando, como vê a situação da mídia?

    Acho que o filme também é oportuno neste sentido, para a gente discutir. A imprensa tem uma função vital que é dizer o que está acontecendo. O Mino Carta diz que é uma questão de sobrevivência da espécie humana. E para decidir para votar, a gente precisa da imprensa, precisa saber o que está acontecendo realmente. O Brasil entrou num processo de escandalização e criminalização da política a partir da eleição do Lula. O que aconteceu, cá entre nós, é que depois de 502 anos de governantes e presidentes vindos da elite, nós tivemos um primeiro que não veio. Quando o Lula assumiu e começou a fazer algumas transformações muito básicas, como aumentar o poder aquisitivo das classes mais baixas, fazer políticas para gerar emprego, incorporar mais gente à classe média, a popularidade dele cresceu muitíssimo, como era de se esperar, e essa elite percebeu que pelo voto, pela via democrática, tinha ficado complicado de retomar o poder. Então, começou a se investir na linha da criminalização da política e a imprensa foi sendo usada para isso. No filme, além das entrevistas e da peça, eu retrato quatro casos jornalísticos, a história da bolinha, a história do Picasso no INSS, a crise da Tapioca do Orlando Silva e a Escola Base. São os quatro casos jornalísticos que eu escolhi, e poderia citar mais dez. Se for pensar, a maioria são barrigas da imprensa contra o governo petista. Eu queria incluir no filme erros jornalísticos contra o governo FHC, mas não achei nenhum. Se alguém souber, me avise que eu coloco no site do filme. A gente percebe muito claramente este viés da grande imprensa contra este governo. Inclusive, errando muito contra este governo. A imprensa tem a obrigação de fiscalizar os governos, de vigiar, de denunciar tudo que está errado, mas ela fica parecendo aquele garçom do restaurante que erra a conta sempre para mais. Todos os erros são contra o governo Lula, primeiro, e agora Dilma. As falcatruas do governo Fernando Henrique não foram escandalizadas como são qualquer tapioca de oito reais no governo Lula.

    Acha que a radicalização será pior em 2014?

    Acho que vai ser uma eleição muito difícil, a tendência é piorar, ser mais radical. Mas também há uma diferença fundamental desta eleição. A internet e seus blogs e sites cresceram muito neste período. Hoje, muito mais gente tem acesso e pode se informar de outras maneiras que não pela grande imprensa. O poder de criação de consenso que a grande imprensa tinha está diminuindo radicalmente ano a ano. Os grandes jornais não são mais tão grandes. Há uma possibilidade de um equilíbrio maior.

    Você tem feito alguns trabalhos na televisão, mas este é seu primeiro longa a chegar aos cinemas desde Saneamento Básico. Por que tanto tempo?

    Na verdade, eu comecei na televisão, em 1982. Eu sempre fiz e gosto de fazer televisão. E não distingo radicalmente o trabalho da televisão daquele do cinema. Faço as duas coisas com igual prazer. E acho que existe uma tendência mundial de que as séries tomem um papel que era exclusivo do cinema. Se você for considerar a produção audiovisual mundial hoje, acho que as séries são mais importantes do que os filmes. Nos Estados Unidos nem se fala. O cinema americano adulto praticamente acabou, com raras exceções, virou uma coisa para vender combo do McDonalds, com 3D, mil cópias, enfim, para criança. Quase toda inteligência criativa migrou para as séries. Eu li um livro recentemente chamado Homens Difíceis, sobre o processo criativos das séries americanas, especialmente Breaking Bad, Mad Men e The Sopranos. Ele conta a história do criador e roteirista de Os Sopranos que adorava cinema e queria fazer cinema. Acabou fazendo Os Sopranos, que é uma obra-prima, e mesmo depois do sucesso disse que devia ter passado aquele tempo fazendo filmes. Aí, um outro roteirista diz: “Quais filmes?” Que filmes dos últimos dez anos, do século XXI, você pode dizer que tem a importância de Sopranos, Breaking Bad, Mad Men, Downton Abbey e por aí vai... House of Cards, The Newsroom... Tem muitas séries que são muito mais importantes, em vários sentidos, muito mais profundas. Muita gente dizia que a televisão não tem tempo de aprofundar. Ao contrário. Uma série como Os Sopranos possui várias temporadas e horas e mais horas, nem Bergman fez algo tão profundo em termos de construção de personagem. Eu considero hoje a televisão como meu trabalho prioritário. Eu gosto de cinema, gosta da atenção que a sala de cinema dá, uma sala escura com uma tela grande. Gosto da ideia de muitas pessoas assistindo junto uma coisa sem um controle remoto na mão, onde a rizada de um contamina a de outro. A experiência da sala de cinema ainda me interessa muito e por isso eu continuo fazendo filmes, mas a minha prioridade realmente é a TV.

    Dentro deste trabalho televisivo, fale um pouco sobre Doce de Mãe. Você pretende continuar com a série?

    Eu pretendo muito. Eu tenho um elenco difícil de manter, com todo mundo muito solicitado para novelas. Mas espero conseguir reuni-los de novo e fazer mais temporadas. Doce de Mãe é uma ideia minha e da Ana Luiza Azevedo. A gente resolveu fazer essa história, que é muito baseada em temas pessoais, que é o que fazer com os velhos. Eu tenho uma mãe de 85 anos, a Ana também. Acho que todo mundo tem uma tia, uma avó, uma mãe. Fica aquela dúvida, vou levar ela pra morar comigo? Ela pode ficar sozinha? Vou colocar alguém com ela? Vai para um asilo? O que fazer? Aí, decidimos fazer uma história com uma protagonista de mais de 80 anos. A gente viu que o único jeito dessa série existir era ter a Fernanda Montenegro. Escrevemos um primeiro roteiro, apresentamos para a Fernanda e ela gostou muito. Aí foi mole. Depois que a gente tinha a Fernanda, todo mundo queria trabalhar. Conseguimos juntar um elenco incrível, escrevemos um primeiro telefilme, que teve uma ótima repercussão e rendeu o Emmy à Fernanda, e agora a série.

    Além de O Mercado de Notícias, você tem um outro longa chegando. O que pode falar de Beleza?

    Beleza já foi filmado. Eu terminei que montar agora o Doce de Mãe e a prioridade agora é a montagem do Beleza. É uma novidade para mim. Eu li uma vez uma frase do Chillida, que é um artista espanhol, em que ele diz: “O artista deve fazer o que não sabe.” Acho que ele tem razão e fiz agora duas coisas que nunca tinha feito, um documentário e um drama. Beleza é um drama romântico, não tem piada, não tem humor. Foi muito diferente do ritmo da comédia, do jeito de pensar. A comédia é muito verbal, com ritmo rápido, e o drama não. Foi algo muito novo e foi muito bom trabalhar com estes atores. É com a Adriana EstevesVladimir Brichta e Francisco Cuoco. Nos enfurnamos numa cidadezinha no interior do Rio Grande do Sul, que é São Francisco de Paula. E Garibaldi também. Acho que fizemos um trabalho muito unido e foi ótimo. Ficou muito bonito. E um pouco triste.

    Tem outros projetos?

    Tenho uma nova série para o ano que vem, mas não posso falar nada ainda. E ainda estou pensando sobre o que fazer no cinema. Não tenho nada definido.

    Você dirigiu filmes como O Homem que Copiava e Saneamento Básico. Como vê o cenário da comédia brasileira nos dias de hoje?

    Entre uma comédia boba brasileira e uma comédia boba americana, eu prefiro a brasileira, não acho ruim que se façam estes filmes. Mas, não sei, às vezes acho que é um investimento grande demais para uma coisa de duração tão curta. Sem querer dar nomes, eu tenho a sensação de que daqui a dois, três anos elas não vão ter utilidade. As comédias não precisam ser assim. É só ver o Billy Wilder, que filmou comédias que continuam ótimas até hoje. Eu espero que os filmes sejam mais duráveis. O filme não é feito para ser complemento de uma noite com pizza, devia durar mais tempo. As grandes comédias são muito duráveis. Doutor Fantástico, os filmes do Wilder. Se for para o teatro, pegue as comédias do Shakespeare. Elas continuam muito atuais e vivas. Na verdade, acho que elas não são só comédias, possuem piadas com toques de tristeza. Este é o segredo do Chaplin, do Monicelli, do Scola. Não são só engraçados, são tristes também. A comédia triste é o meu gênero favorito. Essa variação me parece a melhor representação da vida. A vida não é só engraçada e ela não é só triste. É uma mistura das duas coisas.

    Você falou de Chaplin, acho Luzes da Cidade o grande exemplo disso...

    Sim, o Chaplin é o maior gênio da história, o maior nome do século XX, maior que Picasso. Ele inventou o cinema como conhecemos hoje. Essa ideia que ele tinha de dizer que a piada devia ter uma tristeza é incrível, você fica com pena do vagabundo. Minha filha uma vez me pediu para ver um filme para chorar e passei O Garoto para ela. Essa ideia de ter um filme em que você chora e ri em poucos minutos de diferença, essa capacidade que o cinema tem é fascinante. E o Chaplin, neste sentido, é o mestre maior de todos.

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