por Bruno Carmelo
Chega aos cinemas nesta sexta-feira a comédia A Gaiola Dourada, o maior sucesso de público da história do cinema português. A trama mostra a comunidade portuguesa na França, trabalhando principalmente em empregos de cozinheiros, zeladores e pedreiros. Um dia, um casal português recebe uma grande herança, o que transforma a maneira como os amigos portugueses e franceses os enxergam. Você pode conferir a crítica do AdoroCinema sobre o filme.
Quando apresentou o filme no Brasil, o diretor Ruben Alves e a atriz Jacqueline Corado conversaram em exclusividade com o AdoroCinema, falando sobre o processo de criação, a reação do público e a dificuldade de criar comédias populares de qualidade.
Gaiola Dourada
Confira este bate-papo:
Como surgiu o projeto de A Gaiola Dourada?
Ruben Alves: Eu sempre tive vontade de fazer A Gaiola Dourada, mas foi o meu produtor que me incentivou a filmar, ele é meu amigo de infância. Foi ele que me encorajou porque eu tinha feito um roteiro sobre os franceses em Portugal, e o produtor me sugeriu fazer o contrário, falar sobre os portugueses na França. Essa é basicamente a história dos meus pais, e eu comecei a escrever. Eu já estou com 30 anos, e penso que estou maduro o suficiente para escrever sobre a minha comunidade.
Existem personagens ou passagens do filme diretamente inspirados da sua história pessoal?
R.A.: Todos os personagens são inspirados nos meus tios, pais, primos, pessoas à minha volta... Não só imigrantes portugueses, mas também os portugueses de Portugal. Por exemplo, a personagem da Maria Vieira, a Rosa, foi muito inspirada na babá do meu produtor. Ele tinha uma babá, e a gente passeava juntos desde que nascemos - eu o conheço desde muito pequeno. Essa mulher mandava em casa. Ela se levantava todos os dias às 5h30 da manhã e preparava algo salgado, porque sabia que o pai do meu produtor gostava de comer coisas salgadas de manhã. Ela era a verdadeira mãe da casa, com um temperamento muito forte, que botava medo nas pessoas.
Quais foram as dificuldades e surpresas desta primeira experiência na direção?
R.A.: A melhor surpresa foi o encontro com os atores. Quando me encontrei com eles, eu senti a generosidade do coração. Eu não procurei pessoas apenas pelo talento, eu procurei bons seres humanos também. Não queria alguém para quem o filme representasse um papel a mais, eu queria alguém para se juntar à família. Já problemas, eu não tive. Apenas algumas dificuldades técnicas, mas no momento eu estava tão contente de fazer meu primeiro filme que essas dificuldades não me marcaram.
Você conseguiu trabalhar com atores muito conhecidos e respeitados. Como eles reagiram ao convite e à primeira leitura do roteiro?
R.A.: Eu conheci Joaquim de Almeida no festival de Cannes, durante um coquetel. Começamos a conversar, e dois minutos depois ele me disse: “Nossa, não tem nada para comer aqui”. Isso é muito português. Na hora, eu pensei que ele poderia ser o meu José. Ao mesmo tempo, ele faz muitos papéis de vilões latinos nos Estados Unidos, e eu gostaria de vê-lo no papel de um trabalhador humilde. Ele aceitou na hora. Já Rita Blanco, eu fui buscá-la em Lisboa. Vários amigos já tinham falado de mim para ela, para colocar pressão! Fui à casa dela e soube que ela era a pessoa certa. Ela é de Capricórnio, como eu! A Maria Vieira estava no Brasil, ela tinha acabado de gravar a novela Aquele Beijo. Eu tinha medo de ela não ter datas disponíveis, mas acabou dando certinho com a agenda dela. Com a Jacqueline Corado foi um encontro muito instintivo. Ela chegou, eu olhei e disse: “Ela é a Lourdes”. A personagem de Lourdes, no filme, faz tudo com o coração muito forte, ela é dramática e exagerada, sempre de maneira passional. Eu senti isso na Jacqueline quando a encontrei, e ela chegou propondo uma roupa para a personagem, já veio vestida como a Lourdes, meio afobada...
Jacqueline Corado: Quando o Ruben me contatou, foi tudo muito rápido. Eu li o roteiro e tive um impacto porque sou oriunda dessa comunidade como o Ruben, e cada detalhe do roteiro estava perfeito. Era uma análise perfeita da minha comunidade. E eu conhecia pessoas como a Lourdes à minha volta. Mas diante do diretor, é ele o capitão. Eu estava na estação de trem, no sul da França, esperando para me encontrar com ele. Vi um vestidinho que achei perfeito para a Lourdes, então comprei e vesti. Eu queria fazer o teste de elenco assim, então Ruben olhou e percebeu que a minha visão da personagem correspondia com a dele. Já no primeiro contato por telefone, eu percebia a humanidade profunda dele. Nós temos personalidades diferentes, mas eu fiquei contente quando ele me viu com o vestido e falou: “Ela é a Lourdes”. Depois, pedi para ele não dizer mais nada sobre o filme porque eu estava ficando muito empolgada, e ainda não sabia se o papel era meu. Então não queria ficar frustrada! Eu não queria meter medo no diretor, mas pedi para ele não me dizer mais. Depois recebi um SMS à meia-noite, dizendo “Bem-vinda, Lourdes”. Dei um grito!
Como foi o trabalho no set de filmagem? Esta é uma comédia muito ágil, baseada no ritmo das piadas e das cenas...
R.A.: Foi bastante centrado no texto. Eu também sou ator, então eu compreendia o lado deles e dava certa liberdade. Mas não teve improvisação, porque quando o roteiro está bem escrito, dá para compreender bem os personagens e não é necessário mudar. Eu sabia o que queria, a musicalidade das falas. A filmagem foi uma mistura entre o ambiente familiar e agradável de uma grande família e um aspecto mais pesado, porque todos nós, portugueses, tínhamos algo em comum, a gente estava retratando a nossa comunidade. O português é fatalista, sério, e a gente estava fazendo algo importante.
J.C.: Antes de começar a filmar, fizemos muitos ensaios, com pré-encontros. No ensaio, ele era um chefe de orquestra, mais do que um capitão de barco. Ele tinha os instrumentos, e sabia a tonalidade que queria dar a música. Eu me lembro de uma cena em que o Ruben me dizia “Jacqueline, não é assim”. Eu não estava conseguindo atingir o que ele queria, mas entendia muito bem o que buscava. Ele me pediu para a Lourdes não ter nenhum sotaque português, mas o ritmo respiratório da Lourdes é profundamente português. E o francês é uma língua sem acentos tônicos. Às vezes a frase em português me dava um ritmo, e depois eu precisava ajustar a musicalidade. O Ruben nos mostrava sempre o ritmo. Além disso, eu trabalhei com a Rita Blanco, que é uma das maiores atrizes do mundo para mim. Eu a vi no teatro, ela é incrível...
R.A.: Ela é como a Fernanda Montenegro no Brasil!
J.C.: O Ruben chegava com uma atitude descontraída, amigável, sorridente, mas na hora de filmar, se fosse necessário, a gente fazia quinze vezes cada cena. Ele sabia perfeitamente onde a gente tinha que chegar. Uma vez que o personagem foi definido, basta se deixar levar pelo diretor. Como tudo estava bem escrito, não foi preciso improvisar.
De fato, é sempre difícil encontrar o tom, entre a homenagem, a sátira, a caricatura... Como você definiu o tom do seu filme?
R.A.: Na verdade, cada vez que eu pensava muito com a cabeça, eu me dizia para parar e pensar com o coração. Queria usar a minha percepção. Não fiquei pensando no que as pessoas diriam... Não estou fazendo uma reportagem, um documentário. Esta é uma ficção, é o meu ponto de vista. Muitas pessoas se reconheceram no filme, que além de falar da realidade portuguesa, também fala dos valores de vida de todos os trabalhadores, todas as pessoas distantes de suas raízes. É uma história universal, de amor, de família. É verdade que eu estava ansioso para saber o que a comunidade portuguesa na França iria achar. Mas eu não pensei nisso na hora de escrever ou filmar, só depois, quando estava pronto.
Depois, veio o imenso sucesso nos dois países...
R.A.: Eu não esperava, principalmente por ser o primeiro filme. Você pode ter grandes atores e um orçamento grande, e depois não dar certo. Foi um orçamento confortável para um primeiro filme, mas pequeno para uma produção francesa. Ninguém esperava tanto sucesso, porque os atores portugueses não são conhecidos na França. Mas as pessoas apostaram no potencial comercial desta família que acabou emocionando os espectadores. Essa foi a boa surpresa para mim, de ver que o boca a boca funcionou. Muitas pessoas que nunca vão ao cinema foram assistir à Gaiola Dourada. Muitos imigrantes portugueses na França, que nunca tinham ido ao cinema, foram pela primeira vez. Recebi várias mensagens desse tipo.
J.C.: Alguns espectadores fizeram 300 km de estrada para ver o filme.
R.A.: No final, o número de espectadores importa pouco. O que me surpreendeu foi ver que o filme emocionou as pessoas, foi este aspecto sociológico. Recebi várias mensagens me agradecendo, de pessoas afirmando que faltava contar esta história. Alguns tinham vergonha de suas raízes portuguesas, e falaram que hoje têm orgulho de serem portugueses.
Existe também o orgulho de fazer uma comédia popular de qualidade. Você usou esse termo ao apresentar A Gaiola Dourada, e nós temos a mesma discussão no cinema brasileiro hoje, sobre como fazer comédias populares de qualidade.
R.A.: Em Portugal, a situação é a mesma. Existe um cinema muito intelectual, mas A Gaiola Dourada se comunicava com as pessoas, tinha qualidades, ele não era feito só para rir. Aí eu vi a crítica positiva no jornal Le Monde, e na revista Télérama... Depois vieram os prêmios do público, ao lado das críticas boas. Conseguir ter os dois é muito raro, e isso me deixa muito contente.