por Francisco Russo
Maria de Medeiros durante o Festival de Gramado 2013 (@ Edison Vara Press Photo)
Ícone do cinema português e mais conhecida como atriz, graças a filmes como Pulp Fiction e Henry & June - Delírios Eróticos, Maria de Medeiros veio ao Brasil mostrar sua outra faceta na sétima arte: a de diretora. Ela marcou presença no Festival de Gramado com o documentário Repare Bem, que levou o prêmio da crítica e o Kikito de Ouro de melhor filme na mostra latina.
A atriz e diretora recebeu o AdoroCinema para uma entrevista exclusiva, na qual falou sobre o porquê da escolha por um filme sobre a ditadura militar brasileira, as dificuldades em realizá-lo e também sobre seu próximo projeto. O resultado você confere logo abaixo.
ADOROCINEMA: Você disse que foi convidada pela Anistia para dirigir Repare Bem. Como surgiu este convite?
MARIA DE MEDEIROS: Foi muito graças à minha amiga Ana Petta, que é também produtora do filme. Ela sabia que há anos queria filmar algo no Brasil, então me colocou em contato com a Comissão de Anistia e Reparação do Ministério da Justiça. Além de realizar esta tarefa importante de ajudar as pessoas a, de alguma forma, recuperar sua identidade, eles estão incentivando que os artistas falem destas questões. Então me propuseram que falasse desta história da Denise e da Eduarda, talvez porque estabelece algumas pontes entre a Europa e a América do Sul. Creio que foi por causa disto que me propuseram este projeto.
AC: Percebi uma ligação de Repare Bem com Capitães de Abril, também dirigido por você, justamente pela questão da ditadura.
MARIA: Vejo este filme como uma continuação de Capitães de Abril, apesar dele ser um documentário bem minimalista, com apenas três pessoas entrevistadas. Acho que tem tudo a ver. Enquanto Capitães mostrava a chegada da democracia a Portugal, este filme mostra o reforçar da democracia no Brasil. A democracia é um sistema maravilhoso, mas é também vulnerável. Não basta plantar, é preciso depois cultivar este jardim. Atos como este de pedir desculpas aos cidadãos que foram maltratados e buscar a verdade sobre o que aconteceu no país é um ato democrático muito forte e importante. Muitos países não tiveram a coragem de fazer. Tenho admiração por isso e fico contente por ter contado esta história.
AC: Uma das forças do filme é a franqueza tanto da Denise quanto da Eduarda em seus depoimetos. Para que elas se abrissem desta forma imagino que tenham se sentido bastante à vontade com você. Como foi este contato com as duas para conseguir este efeito?
MARIA: Muitas vezes os documentários levam um tempo de convivência com seus protagonistas para chegar a uma intimidade. Aqui a gente não tinha tempo! Era um filme muito pobre, mas que envolvia bastante viagens, tivemos apenas dois dias na Holanda, três em Roma e um em São Paulo. Cheguei com o coração nas mãos! Talvez por isso, e também pela generosidade natural delas, tenha funcionado. Elas sabiam que teria pouco tempo e que me coloquei para receber com todo o respeito a palavra que elas quisessem me confiar. Foi meio milagroso!
AC: Como foi este processo de escolha sobre quais trechos dos depoimentos delas seriam utilizados no filme?
MARIA: Apesar de ter tido poucos dias de filmagem, tinha um material enorme, muito além do que está no filme. Então foi uma montagem longa. Foi um trabalho de reconstrução da palavra, pois os depoimentos não surgiram fluidos como é visto no filme. Eram por vezes confusos, entrecortados, contraditórios... Houve também um processo de escolha, muita coisa ficou fora por beirar o essencial da história.
AC: Além dos depoimentos da Denise e da Eduarda, você chegou a fazer uma pesquisa sobre o caso do Bacuri e da tortura na ditadura militar brasileira?
MARIA: Vinha trabalhando sobre isso há algum tempo. Já tinha preparado outra história, uma ficção, mas não deu certo. Então há anos já vinha lendo sobre isto, para que pudesse me preparar.
AC: Parte da crítica especializada reclamou de uma cena que mostra a Comissão de Anistia em funcionamento, não pela cena em si mas pela ligação explícita com o governo brasileiro. Como você vê esta questão?
MARIA: No meu cinema gosto de falar da história através de uma perspectiva muito pessoal. Gosto quando a história pessoal dialoga com a coletiva e neste sentido é que também está a cena. É graças a esta anistia que estas pessoas tiveram acesso à sua própria história, passaram a reconstruir sua própria memória. Este ato foi oficial, mas foi também fundador da reconstrução delas. Para elas foi um ato pessoal e foi isto que quis mostrar com esta cena, onde a história coletiva e a pessoal se unem.
AC: Tirando esta cena final, a gente não vê ao longo de todo o filme mãe e filha juntas. Por que esta opção?
MARIA: Tinha a ideia de juntá-las, mas muitas das opções do filme foram definidas pelas circunstâncias. Respeito isso e assumo, porque faz parte do documentário. Se na ficção a gente decide previamente, no documentário isto não acontece. Gosto de assumir esta precariedade. E, de alguma forma, esta separação reflete a realidade. Juntá-las teria sido artificial.
AC: Você comentou que tinha interesse em fazer um projeto brasileiro de ficção, que acabou não dando certo. Ainda há esta vontade?
MARIA: Existe! Estou fazendo uma peça teatral, "Aos Nossos Filhos", que está há dois meses em São Paulo. A ideia seria adaptar a peça para um filme e eu seria a diretora. Ainda está em processo de captação, mas gostaria de iniciar as filmagens o mais depressa possível!
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