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    "O espaço faz o homem", diz Carolina Sá, diretora do documentário Construção

    Este filme, que estreia nesta sexta-feira, articula duas histórias familiares da cineasta para refletir sobre o espaço e os afetos.

    por Bruno Carmelo

    Nesta sexta-feira, dia 23 de novembro, chega aos cinemas o documentário Construção, da diretora Carolina Sá. A proposta é inusitada: mesclar a história do seu pai, um arquiteto idealista, com a da filha Branca, de 3 anos de idade, que descobre Cuba (a terra do pai dela) pela primeira vez. O projeto articula imagens digitais e outras em Super 8, além de cartas lidas pela própria diretora e por membros da sua família. O cineasta Walter Salles e a atriz Patrícia Pillar foram produtores associados ao projeto. O resultado é um belo filme, sensorial e poético, sobre a família e a nação. Confira a seguir nosso bate-papo com a diretora, e leia nossa crítica do filme:

    Como nasceu o projeto? Foi mesmo o Walter Salles que deu a ideia de juntar a história do seu pai com a sua filha?

    Pois é, o Walter já tinha acompanhado um projeto que eu queria fazer sobre o meu pai, nove anos atrás. Ele conhecia o meu pai, e escreveu um texto super bonito para a captação de recursos, mas eu acabei não fazendo o filme. Depois, quando eu resolvi ir pra Cuba, eu falei para o Walter que queria fazer um filme sobre a minha filha, e ele me perguntou sobre aquele projeto do meu pai. Eu disse que tinha desistido, mas ele explicou que para ele os dois eram um mesmo filme, uma mesma busca. Na hora, eu achei a ideia absurda! Como eu iria juntar tudo? Mas ele afirmou que existia uma mesma noção de pertencimento. E o Marcos (de Vasconcellos) é o avô da Branca. Isso pode parecer loucura, mas como meu pai morreu há muito tempo, e eu mal o conheci, eu nunca tinha feito essa ligação. E aí foram alguns anos na ilha de edição, quebrando a cabeça com a minha editora, a Marília Moraes, para juntar tudo isso. O Walter foi muito sensível ao perceber esta ligação.

    O documentário brasileiro vem se especializando na autobiografia, com vários diretores se colocando em frente às telas e explorando as próprias questões familiares, como 33, Diário de uma Busca, Marighella... De onde veio a sua vontade de contar uma história pessoal?

    Eu acho que muitos cineastas têm questões a resolver na família, ou um passado desconhecido, e o filme pode ser uma maneira de descoberta, um modo de resolver. Eu não conheci direito o meu pai, por exemplo. Quando eu tinha 13 anos, ele morreu, e eu quase não o via. Na verdade, eu não queria fazer um filme biográfico, falando da minha filha, ou do meu pai. Eu quis fazer um documentário sobre questões relacionadas à família, algo que pudesse ser universal. O interessante deste filme, e de Diário de uma Busca, por exemplo, é que muitas pessoas podem se identificar, existe uma dimensão política. Os documentários biográficos, no fundo, são muito universais.

    Como foi o processo de montagem, com tantas histórias, formatos e sons diferentes?

    Foi o mais difícil. Eu não tinha visualizado antes a parte estética, isso veio depois. Foram três anos editando. Primeiro a gente assistiu a todo o material de Cuba. Neste processo chegou o material do meu pai, que eu nunca tinha visto. Descobrimos que as cartas seriam uma narrativa, porque não tinha muita fala no filme. Meu pai deixou mais de quarenta caixas de texto, e nós lemos 250 cartas trocadas entre meu pai e minha mãe, para tentar escolher aquelas que falassem sobre a construção do afeto. Eu ainda precisava ver como juntaria isso com a Branca em Cuba. Nós abrimos muito arquivo para construir esta narrativa.

    Como funcionou a narração, com a tua voz e a da sua família?

    Existem dois trechos com áudio gravado pelo meu pai, e as cartas dele são lidas pelo meu irmão mais velho, que tem uma voz igual a do meu pai. Eu fiz a voz da minha mãe jovem, nos textos dela. Tem cartas lidas por uma amiga arquiteta, porque eu queria a voz de uma pessoa mais velha. E tem a voz de uma amiga cubana, para as falas em espanhol. É como a voz de uma sabedoria, uma voz sem rosto. Nós também escrevemos algumas cartas para o filme. Foi muito trabalho! A gente quebrou a cabeça para fazer isso.

    É interessante que você tenha retratado Cuba sem exotismo. O país, no filme, não é um oásis ensolarado, pelo contrário, ele é silencioso, vazio, nublado.

    Eu fui para Cuba no inverno, quando chove muito e faz muito frio. Eu já fiz um documentário lá, que era o contrário deste, muito mais solar, sobre música. Mas desta vez, quando eu vi aquele tempo, eu achei um presente. A Branca fala que é um lugar “de praia e sol”, mas também é nublado. Acabou sendo uma metáfora, que adicionou um sentimento muito interessante, com um tempo parado. Eu não tinha a menor vontade de fazer um estereótipo de Cuba, longe disso.

    Quais são os teus próximos projetos, depois do Construção?

    Este processo me deu muita vontade de fazer um filme só sobre a arquitetura na América Latina. O meu pai pensou muito a arquitetura e o homem, e o espaço faz o homem. Ele deixou um texto muito interessante sobre esse tema, que acabou ficando de fora do filme, porque o tema do Construção era a família. Não sei se seria um projeto para a televisão, ou para o cinema. Eu até falei para o Walter Salles, eu disse que queria fazer um filme em 3D, para mostrar o espaço. O Wim Wenders fez o documentário Pina em 3D, que é demais. Eu não tenho a menor ideia como se filma em 3D, mas fiquei com vontade. Imagina ver uma casa, uma favela em três dimensões? Mas por enquanto eu ainda estou vivendo o parto do Construção. Hoje eu entendo o caminho de muitos cineastas, e o tempo que leva para fazer um filme.

    Construção

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