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    Kleber Mendonça Filho fala sobre O Som ao Redor, vencedor do Festival do Rio

    Filme foi premiado também nos festivais de Roterdã e de Gramado.

    por Francisco Russo

    Um verdadeiro papa-prêmios. Assim pode ser considerado O Som ao Redor, vencedor do troféu Redentor de melhor filme e de melhor roteiro no recém-encerrado Festival do Rio. Afinal de contas, o longa já havia sido premiado nos festivais de Roterdã (prêmio FIPRESCI) e de Gramado (melhor filme - júri popular, melhor diretor, melhor desenho de som e prêmio da crítica).

    Kleber Mendonça Filho com o troféu Redentor, no encerramento do Festival do Rio 2012

    Estreando nos longas de ficção, o diretor Kleber Mendonça Filho conversou com o AdoroCinema e o público no debate ocorrido durante o Festival do Rio. Logo abaixo você confere os principais destaques.

    Roteiro

    Kleber Mendonça Filho já havia dirigido quatro curta-metragens - A Menina do Algodão (2002), Vinil Verde (2004), Eletrodoméstica (2005) e Recife Frio (2009) - e um longa documentário - Crítico (2008). Diante deste histórico, ele falou sobre como nasceu a ideia de O Som ao Redor. "Quando comecei a escrever o roteiro queria fazer algo com um realismo social, mas não poderia ser apenas isto. O realismo pelo realismo para mim é chato, não tenho tanto interesse no sentido de filmar. Então comecei a agregar um certo estilo de fazer cinema, em Cinemascope e com planos fixos. Comecei a gostar muito da ideia de fazer um filme absolutamente mundano, com personagens normais e no Recife, mas com uma câmera que você não associaria ao realismo social."

    "A origem veio do acúmulo de ideias e observações ao longo de muitos anos. Estava tranquilo, fazendo meus curtas, mas já havia uma pressão social sobre quando faria meu longa. Aconteceu de estar perto do prazo final para inscrição em um edital do Ministério da Cultura e resolvi participar dele. Então escrevi a primeira versão de O Som ao Redor em sete dias, impulsionado pelas ideias que já estavam na minha cabeça e esta data-limite."

    Montagem complicada

    Após as filmagens, O Som ao Redor ficou bastante tempo na sala de edição. Kleber explicou como foi este período. "Fiquei um ano e quatro meses na montagem deste filme. Passei por todas as fases tradicionais deste processo, de ficar oito meses achando que não daria certo. Em junho de 2011 o filme deu um clique. É como se você estivesse montando um quebra-cabeça e finalmente acha a peça certa. Ainda tive seis meses para apertar todos os parafusos."

    Kleber comentou ainda qual foi o grande desafio para montar o longa-metragem. "O filme tinha muitos personagens e não queria que parecesse que havia um plano por trás daquilo tudo. Ele precisava parecer muito orgânico, que a história mudasse de uma pessoa para outra mantendo o interesse e sem parecer arbitrário. Este foi o grande desafio, pois existe todo um histórico de filmes coral, onde várias coisas acontecem e há múltiplos personagens. Achar esta organicidade era o grande ponto e eu tradicionalmente demoro na montagem dos meus filmes, até nos curtas isto acontecia."

    Tensão

    Uma das principais características de O Som ao Redor é a tensão presente ao longo do filme, passando ao espectador a impressão constante de que algo está prestes a acontecer. "O roteiro é todo dividido em pequenos conflitos e, se isto desse certo como narrativa, ele funcionaria como filme", explicou o diretor. "Existe uma tensão dentro do quadro da câmera que é muito interessante e ela me interessa como cinema. Talvez o Roman Polanski, especialmente na década de 1960, tenha testado isto de uma forma muito curiosa", concluiu.

    Irandhir Santos

    O nome mais conhecido do elenco é Irandhir Santos, o intérprete de Fraga em Tropa de Elite 2, que em O Som ao Redor dá vida ao líder de uma milícia que se instala na rua de um bairro de classe média alta. Kleber Mendonça Filho falou sobre o trabalho dele nos sets de filmagens. "O Irandhir teve uma relação muito interessante com W.J. Solha, que é da velha escola. Ele é um ator no sentido de que a gente está brincando, avisam que vai filmar agora e ele fica sério para fazer a cena. Quando diz corta ele volta a brincar de novo. O Irandhir não, uma hora antes está lá no canto, de costas, se preparando. Aí a gente chama e ele está completamente dentro do personagem. Acho que ele é o mais próximo que a gente tem de alguém que segue o Método", se referindo ao Método para Interpretação do Ator, desenvolvido por Elia Kazan, Lee Strasberg e Robert Lewis no Actors Studio.

    Kleber ainda contou uma história curiosa envolvendo Irandhir e seu método particular de atuação. "Quando terminava as filmagens eu ia para casa e, um dia, olhando pela janela, vi um segurança embaixo da árvore. Era Irandhir. Aí não sabia se falava com o Irandhir ou se respeitava o clima e dizia 'boa noite'. Era muito estranho."

    O diretor ainda deu uma curiosa definição sobre como é trabalhar com o ator. "Irandhir é como um equipamento muito sofisticado de som, com 100 botões, que você precisa equalizar. É meio lugar comum dizer que Irandhir é incrível, mas ele é. É fantástico trabalhar com ele."

    Pesadelo

    Uma das cenas mais marcantes é quando uma criança vê a invasão de vários homens no quintal de seu condomínio, como se o local estivesse sendo invadido. Logo em seguida o espectador é avisado de que tudo não passou de um pesadelo. Kleber comentou esta cena."O pesadelo da garotinha é terrível, mas é clássico e universal. Um sueco ou dinamarquês pode vir a ter um pesadelo daquele, mas no Brasil há quase uma questão cultural da invasão. Isto é muito forte na nossa cultura, palavras como invasão e arrastão têm muito peso na língua portuguesa. Além do mais, esta cena me levou a beirar o limite de um filme de terror."

    Cinema pernambucano

    O Som ao Redor foi lançado em meio a uma leva de filmes pernambucanos que, assim como ele, tem feito sucesso nos festivais mundo afora. Afinal de contas, Boa Sorte, Meu Amor foi exibido no Festival de Locarno e dois longas do estado, Eles Vivem e Era uma Vez Eu, Verônica, dividiram o prêmio de melhor filme no Festival de Brasília. O AdoroCinema pediu ao diretor que falasse um pouco sobre este atual momento do cinema pernambucano, que tem despontado pela qualidade e também pela interação entre as equipes e o elenco dos vários filmes em produção.

    "O que está acontecendo agora em Pernambuco é uma fase extremamente feliz. É um grupo de pessoas que faz filmes muito pessoais, sem a preocupação de conquistar o mercado nem de fazer bilheteria. Não há nenhum projeto que eu conheça que tenha a pretensão de ser uma comédia romântica ou um filme de aventura. São filmes por vezes estranhos, mas que de alguma maneira chegam ao mercado, pois participam de festivais e ganham prêmios. Isso me atrai muito em um cenário de produção onde os filmes se comunicam. Em Brasília, por exemplo, houve uma triangulação que acho linda entre O Som ao Redor, Boa Sorte, Meu Amor e Doméstica. São três filmes absolutamente diferentes, mas que compartilham visões de temas muito semelhantes. Acho isto fantástico, pois ninguém se reuniu visando isso. Você vê os filmes prontos e uau!"

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