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    Entrevista com Ana Rieper, diretora de Vou Rifar Meu Coração

    Apaixonada pela música brega, o diretora Ana Rieper conversou com exclusividade com o AdoroCinema sobre seu novo documentário, Vou Rifar Meu coração.

    por Lucas Salgado

    Vou Rifar Meu Coração marca a estreia em longas-metragens da diretora Ana Rieper. Após exibir o filme no Festival de Brasília, na Mostra de São Paulo, na Mostra Tiradentes e em alguns eventos fora do Brasil, ela finalmente coloca sua produção no circuito comercial. Antes da estreia, Rieper se reuniu com o AdoroCinema para um bate papo exclusivo sobre o longa, que traça um panorama sobre a história da música romântica, ou brega, em todo Brasil. Conta com depoimentos de nomes marcantes como Wando, Amado Batista, Nelson Ned, Walter de Afogados e Rodrigo Mell, além do polêmico Lindomar Castilho. Confira a conversa na íntegra:

    Você conseguiu reunir um grande número de artistas para dar depoimento em seu filme. Como foi esse processo?

    A escolha dos artistas teve a ver com a própria trajetória de realização do filme, que levou um tempo para ser feito. Escrevi uma primeira versão do roteiro em 2003 e fui ao longo desses anos desenvolvendo o projeto. Eu iria, inicialmente, fazer um filme com os artistas mais contemporâneos e desconhecidos. Foi quando eu li o livro “Eu Não Sou Cachorro Não”, do Paulo César de Araújo, que acabou sendo uma grande referência. Foi ali que eu conheci a história dos personagens Agnaldo Timóteo, Odair José, Waldick Soriano e tantos outros. A partir daí eu escolhi os artistas que achava mais relevantes no gênero e parti pra conversas com eles. Cheguei a conversar muito com o Waldick, que durante um tempo era personagem central, mas aí ele morreu. Então a ideia do filme foi se modificando. Acho que a base maior dessa participação dos artistas é do que eu chamo do “brega clássico”, com o pessoal dos anos 70. 

    Numa triste coincidência, o seu filme acabou sendo um dos últimos registros do Wando. Como foi o seu contato com ele?

    O contato com o Wando (foto abaixo) foi sempre muito fácil, muito prazeroso. Ele sempre esteve muito disponível e a equipe inteira saiu da entrevista muito feliz. Ele era um cara muito gentil e eu acho que a gente tem uma imagem um pouco idealizada dos grandes nomes da música e da arte, cuja personalidade só chega pra gente através da mídia. E no filme ele falou de uma perspectiva muito pessoal. Ele fala sobre as experiências de abandono e de tristeza no amor, e como era a relação com as mulheres. 

    Teve algum artista que você lamenta muita não ter conseguido depoimento?

    Teve. Reginaldo Rossi, Fernando Mendes. Eu nem consegui falar com o Reginaldo. Esbarrei no produtor, ele fechou as portas e não consegui trazer ele pro filme, o que foi bem triste. E o Fernando Mendes, também. Conversei com eles várias vezes e foi um vai e vem danado. E por questões que extrapolaram a minha vontade, ele não pôde participar. Foi uma tristeza, porque ele é um dos meus grandes ídolos. Eu adoro a música dele e tive conversas pré-filmagens incríveis. Ele falou até sobre o melodrama mexicano como uma das suas referências.

    Além dos artistas, o longa também apresenta as histórias de vários desconhecidos. Como foi esse trabalho?

    O filme nasceu desde o começo com essa estrutura, de ter suas frentes principais de narrativa que se encontrariam. Uma seria a música e os artistas e a outra os personagens populares, que seguem as histórias das músicas em suas vidas. Antes de fazer um filme sobre música brega, eu queria fazer um sobre o imaginário romântico afetivo popular, então essas histórias sempre tiveram um lugar muito importante dentro do projeto. 

    Uma história em particular chama muito a atenção, que é a do Osmar. E vendo o filme é muito difícil não se divertir e até achar aquilo surreal. Como foi para você lá, colhendo aquele depoimento?

    É interessante como o filme chega no público e se transforma. Na verdade, tanto na filmagem como na montagem, eu não persegui o humor, até porque aquela história para mim é muito dramática. A Eliane chora ali, sofre pra caramba, e a Aparecida também é muita amargurada com aquilo. É interessante que a gente vê o filme e acha aquela história muito curiosa, mas fizemos algumas sessões no interior do Sergipe e tinha muita gente que se identificava com aquilo. São histórias mais comuns que podemos imaginar. 

    Vou Rifar Meu Coração teve recepções bem calorosas em Brasília e Tiradentes, com as pessoas se divertindo muito com o filme. Como foi a recepção no Sergipe?

    A recepção também foi calorosa, mas de maneira completamente diferente. As pessoas também se manifestavam em alguns pontos ligados as histórias, mas o que mais mobilizou as pessoas foram as músicas. Começavam as canções e as pessoas iam a loucura e cantavam juntos. 

    O fato das pessoas verem o filme por um lado mais humorístico te incomoda?

    Não. Me perguntam muito se eu acho que é um riso preconceituoso. Mas eu não acho. Tem a ver com uma certa malícia que é muito característica na nossa cultura. Malícia também na maneira das pessoas falarem suas próprias histórias. Tem uma certa cultura de rir da desgraça alheia. 

    Como foi a escolha do título e o contato com o Lindomar Castilho?

    Na verdade, eu trabalho com esse projeto há vários anos e ele sempre se chamou O Amor É Brega. Eu adorava esse título, mas alguns artistas se incomodaram, pois eles não queriam ser chamados de brega. Aí meu mundo caiu, não achava outro título de jeito nenhum. A gente começou a pesquisar nomes de músicas, até que surgiu Vou Rifar Meu Coração, que eu acho que tem tudo a ver a essência do filme, sobre o que há em comum entre aquelas pessoas. O contato com o Lindomar (foto acima) foi cercado por muita expectativa por causa da história dele*, mas no final das contas não foi muito diferente de todas as outras pessoas que ouvi. Ele foi receptivo, fez a entrevista. Houve um cuidado da minha parte, pois não queria que o filme estivesse ali para julgar, seja pra condenar ou absolver ninguém. Os assuntos que eu queria que ele falasse foram abordados, que era sobre uma relação de possessão no amor, de ciúme doentio, de machismo de opressão. 

    * Ícone da música brega, Lindomar Castilho ficou marcado por assassinar sua segunda esposa em 1981. Ele ficou preso por sete anos.

    Em Brasília, causou certa polêmica a participação do Lindomar, por causa do crime dele. Você esperava por isso?

    Não esperava que aquilo fosse virar um embate, mas foi bom. A gente faz os filmes para poder pensar e para subverter a ideia que temos de certas coisas. 

    Tem algum próximo projeto?

    No momento, estou trabalhando no projeto de uma série do Vou Rifar Meu Coração e estou conversando com o Canal Brasil. Tenho 100 horas de material e muita coisa que não entrou no filme. Mas eu já tenho um projeto de um documentário sobre o Clube da Esquina.

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