por Francisco Russo, direto de Cannes
Pode-se dizer que Juliana Rojas já seja uma veterana do Festival de Cannes. Afinal de contas, já tem no currículo quatro participações, uma com o longa Trabalhar Cansa (2011) e outras três com os curtas O Lençol Branco (2005), O Ramo (2007) e O Duplo (2012). Concorrendo neste ano na Semana da Crítica, a diretora conversou com o AdoroCinema e falou um pouco sobre a carreira, seu novo trabalho e planos para o futuro.
Experiências anteriores em Cannes
"A primeira vez sempre tem o lado interessante de, apesar de ser um festival francês, ser também muito internacional. É uma babel, tem gente de todo lugar, então é interessante exibir seu filme para um público que é totalmente estrangeiro", disse a diretora. "Além disto, a Cinéfondation é uma mostra voltada para estudantes de cinema, então foi interessante conferir as diferenças de produção. Havia casos de superproduções, curta custando US$ 100 mil, enquanto que O Lençol Branco foi feito nas dependências da USP."
"Na segunda vez foi bacana porque, na época, os curtas eram exibidos junto com longas. O Ramo passou com o argentino XXY e tinha sete exibições, todas com debate, então era muito intenso o retorno de público." Juliana disse ainda que foi nesta segunda participação que Trabalhar Cansa, sua estreia nos longa-metragens, ganhou corpo. "O curta foi feito pela Dezenove Produções e, quando entrou em Cannes, a Sara Silveira nos propôs um projeto de longa. Foi aí que fizemos a sinopse do filme. Como ainda fomos premiados, isto chamou muita atenção para o projeto."
Com Trabalhar Cansa selecionado para a mostra Um Certo Olhar, Juliana voltou ao festival no ano passado e notou várias diferenças. "Em Cannes é muito forte o aspecto do mercado. Você vir para cá com um longa já tem um valor comercial também, não é apenas artístico, pois o curta não encontra tanto mercado. Então é tudo muito mais intenso, tanto a parte de imprensa quanto os eventos do calendário do festival", explicou.
Sozinha na direção
Em todos os trabalhos anteriores exibidos em Cannes, Juliana Rojas dividiu a direção com Marco Dutra. Desta vez ela está sozinha no comando de O Duplo. A diretora explica que isto não significa que a dupla tenha se separado. "Mesmo que a gente não esteja dividindo a direção é meio constante a colaboração, então por mais que a gente esteja separado na verdade nunca nos separamos. As pessoas têm muito a ideia de que o diretor é quem detém todo o poder em um filme. Se você faz cinema sabe que na verdade não é assim. O fotógrafo é muito autor do filme, o diretor de arte também e por aí vai."
Sabrina Greve é a protagonista de "O Duplo"
De onde veio a ideia de O Duplo?
"Um amigo, o Marcelo Toledo, me contou este mito do Doppelgänger, que é este ser que adota a forma da pessoa e é a versão má dela. Fizemos uma pesquisa e percebemos que há o relato real de uma professora francesa, no século XIX, que dava aulas em um internato e começou a aparecer um duplo dela na escola. As pessoas ficaram assustadas e viram ela passando ao lado do seu duplo. Ela foi demitida e depois descobriram que esta professora já havia sido demitida de 12 escolas, sempre por este motivo. Isto me pareceu muito assustador e também interessante. Primeiro por ser uma mulher, segundo por estar ligada ao ensino da moral e dos bons costumes e de repente ser confrontada com uma situação extrema e sobrenatural. Fiz o roteiro e quis adaptar esta história para a São Paulo dos dias de hoje, então é inspirado neste relato mas não é a reprodução factual dele. Apenas o usei como ponto de partida."
Nudez em cena
O Duplo conta com cenas de nudez de Sabrina Greve, intérprete da professora que encontra seu duplo. Juliana Rojas explica o porquê. "O filme tem o confronto de ideias da civilidade com o instintivo, que é o da violência e o sexual. Acredito que a matéria é muito importante na história, não apenas o corpo dos atores como também o tipo da arquitetura da própria escola. É uma transformação que ela sente que não é apenas psicológica, é também física, então era importante filmar o corpo dela, mas de forma não convencional."
Sabrina Greve e Gilda Nomacce em "O Duplo"
Por que não um longa-metragem?
Como elementos típicos do terror, a história de O Duplo poderia ser adaptada para um longa-metragem. Juliana Rojas disse que, ao menos por enquanto, a ideia não lhe atrai. "Tenho meus projetos de longa, como o Boas Maneiras, que é meu próximo projeto junto com o Marco. Até tenho outros projetos diferentes, mas apenas consigo me dedicar a ele agora. Acho até que daria para fazer um longa, mas não sei se acharia interessante devido à exigência de ter uma complexidade maior. Sou muito feliz com o formato do curta, também por poder realizar e finalizar muito rápido. O Duplo mesmo foi feito no fim de janeiro e agora já está estreando no festival. Posso filmar com frequência e experimentar, já que não há a pressão do longa, e ter um resultado rápido."
Expectativa pela possível premiação
Questionada se estava ansiosa com a premiação da Semana da Crítica, que será anunciada nesta quinta, Juliana disse que não. "Nunca ganhei muitos prêmios com filmes, então aprendi a não esperar muito. Fico sempre mais ansiosa com a projeção e com o debate do que com a premiação. Brinco até que é porque torço para o Fluminense, se fosse mais conectada com a vitória estaria perdida. Hoje o Fluminense está bem, mas na época que estava na terceira divisão do Campeonato Brasileiro eu não abandonei o time, então aprendi a valorizar o prazer de torcer. Com festival é igual, para mim é muito mais fazer parte da seleção do que ganhar algum prêmio."
Cena do curta "O Duplo", exibido na Semana da Critica
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