Para uma sala lotada e emocionada, o Festival do Rio 2024 teve a honra de abrigar a estreia nacional (e internacional) de Maré Alta no último sábado (5) e o AdoroCinema esteve presente nesta sessão especial. Protagonizado por Marco Pigossi, o longa estadunidense apresenta os dilemas do brasileiro Lourenço que, trabalhando ilegalmente nos Estados Unidos e prestes a ter o visto de turista expirado, enfrenta as incertezas sobre seu futuro enquanto busca seu lugar no mundo.
Esse é o primeiro longa-metragem do diretor e ator italiano Marco Calvani, o que o tornou ideal para a mostra Expectativa, uma seleção do que há de mais fresco e inovador no cinema mundial, com talentos e obras estreantes. A produção ainda conta com um caráter internacional não só nos bastidores, mas no cerne de sua história.
“Essa é a história de alguém que está procurando seu propósito, buscando por um lar. Não importa se você é americano, imigrante, queer ou heterossexual, fundamentalmente esse filme é sobre pertencimento. Pertencer a um país, a uma comunidade, a uma pessoa e a si mesmo. Acredito que essa seja uma narrativa universal”, disse Marco Calvani antes do início da sessão no Estação NET Botafogo.
Vivência LGBT é parte fundamental da narrativa
“Quero dedicar esse filme a todos os Lourenços”, destacou Marco Pigossi. “Esses que tiveram que sair de seu Brasil, do seu país e das suas famílias porque não conseguiram ser compreendidos e amados por serem quem são. Estamos falando de Brasil, que ainda é o país que mais mata LGBTs no mundo. Sempre vale lembrar isso”.
Na trama, Lourenço sai de Itu, sua cidade natal no interior de São Paulo, para arriscar uma nova vida em terras estrangeiras. Sem contar para ninguém que estava indo embora para valer, muito menos para a mãe, o contador passa a limpar casas de veraneio para sustentar sua estadia. Fugir da família e de uma realidade conservadora parecia ser a única maneira de Lourenço explorar sua sexualidade e descobrir sua verdadeira identidade.
Guia do Festival do Rio 2024: Filmes, entrevistas e tudo o que está acontecendo no evento carioca este anoMas, Maré Alta é uma homenagem não só às identidades LGBTQIAP+, mas aos espaços de acolhimento cultivados por essa comunidade. O cenário que envolve o enredo é justamente Provincetown, uma cidade litorânea do estado de Massachusetts conhecida como a “meca queer”. Por razões que datam do século XIX, essa alcunha acompanha a história artística, social e turística do local e é encarnada pelo personagem de Bill Irwin, o simpático Scott, inquilino de Lourenço e marca viva de uma época tenebrosa em que muitas vidas foram perdidas para a epidemia de AIDS.
Numa relação quase parental, Marco Pigossi teve a oportunidade de contracenar não só com um veterano de Hollywood, mas dois. Marisa Tomei também participa do projeto, integrando a produção não só como atriz, no papel da excêntrica artista Miriam, mas como produtora executiva. Como o próprio Marco Calvani deixou bem claro naquela noite de sábado, “fazer um filme é sempre um milagre. E milagres não acontecem sozinhos”.
Maré Alta é fruto do encontro criativo e amoroso dos xarás Pigossi e Calvani
Elogiado por veículos internacionais de renome, como The Hollywood Reporter, Variety e IndieWire, o primeiro papel internacional de Pigossi carimba seu talento e o Brasil no mapa do cinema mundial, disse Ilda Santiago, diretora do Festival do Rio. “O nosso talento fora do país é de extrema importância para onde queremos chegar com o cinema e as histórias brasileiras. Elas também podem ser contadas por outros olhares que não são necessariamente brasileiros, mas tem a nossa alma”, ressalta.
Marco Calvani diria que a alma do filme, na verdade, é Pigossi, seu marido e parceiro criativo. “Fui muito sortudo em conhecê-lo enquanto estava escrevendo [o longa]. Ele foi capaz de extravasar toda a sua sabedoria, amor e medos nesse projeto”. Parte de um cinema queer e LGBT em ebulição nos últimos anos, Maré Alta é um retrato intimista de uma experiência muito similar emocionalmente a do ator brasileiro, que se mudou para os EUA há alguns anos. Nada mal para, segundo definiu Calvani, um “primeiro filho”.
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