O filme de tubarões Sob as Águas do Sena esteve em primeiro lugar nas paradas da Netflix em mais de 85 países nas últimas semanas. Dirigido por Xavier Gens, a produção chamou a atenção com seu cenário assustador de um tubarão gigante nas águas parisienses do Sena, mas também levantou algumas questões básicas sobre a representação das realidades biológicas desse animal.
De acordo com Armelle Jung e Paul Abaut, dois biólogos marinhos que trabalham para a conservação dos tubarões por meio da associação francesa Des Requins et des hommes, essa liberdade do roteiro se desvia significativamente dos fatos científicos estabelecidos sobre os tubarões.
Um tubarão no Sena... sério?
Em conversa com o AlloCiné, site parceiro do AdoroCinema, Paul Abaut questiona a própria base do enredo, destacando o erro fundamental de colocar um tubarão-mako, uma espécie oceânica e pelágica (do grego pelagos, que significa mar e se refere a um organismo marinho que nada), em um ambiente de água doce como o Sena.
"Um tubarão-mako que entra no Sena em água doce não está em seu ambiente. É um tubarão pelágico que vive em água salgada nos oceanos, especialmente em oceanos abertos", explica ele.
Armelle Jung, por sua vez, aborda as imprecisões que envolvem os métodos de rastreamento de tubarões mostrados no filme, descrevendo as tecnologias usadas como improváveis no mundo real.
"Os métodos de estudo [...] que fariam muitos cientistas sonharem com a possibilidade de avistar um tubarão ao vivo e rastreá-lo com um pequeno laptop [...] não existem de fato", explica ela.
O mito do tubarão devorador de homens
Além disso, o filme atribui ao tubarão-mako um comportamento agressivo em relação aos seres humanos, o que, segundo Paul Abaut, alimenta um medo irreal e estigmatiza ainda mais esses animais marinhos já incompreendidos.
"É sempre uma imagem como em Tubarão, independentemente da espécie. Será um tubarão que se dirigirá aos humanos, que é o seu alimento, e ele tem que se alimentar de humanos. Não é esse o caso", diz o biólogo.
"O tubarão ainda é retratado como um comedor sedento de sangue que ataca tudo o que aparece pela frente. Estamos falando de animais que são relativamente tímidos e medrosos em outros aspectos", diz Armelle Jung. "Ainda estamos falando sobre essa fantasia do animal predador que devora tudo e está destinado a prejudicar os seres humanos."
"Muitas pessoas nadam em áreas onde há tubarões, e às vezes nem sabem disso. E certamente nunca perceberão", conclui Paul Abaut.
Credibilidade científica como uma opção
A representação do rápido crescimento e da reprodução dos tubarões-mako por partenogênese – ou seja, reprodução sem a intervenção de um macho – também foi criticada por sua falta de realismo e, acima de tudo, por sua falta de fidelidade à ciência.
"Essa representação é alucinante. Na realidade, os tubarões crescem muito lentamente e a partenogênese é um fenômeno raro que não leva à reprodução em massa como sugerido no filme", explica Paul Abaut.
Essas observações científicas levantam um debate interessante sobre o equilíbrio entre a criatividade cinematográfica e a precisão científica, um equilíbrio que muitas vezes é difícil de manter em filmes de gênero, em que o exagero geralmente tem precedência sobre a realidade.
Embora esse viés seja visivelmente assumido em Sob as Águas do Sena, sempre será necessário esclarecer as coisas.
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