Cartola carimbou “rir para não chorar” como um dos lemas mais brasileiros que existem na música. Agora, sob a batuta dos gigantes Miguel Falabella e Hsu Chien, Querido Mundo se prepara para levar humor no meio dos escombros da realidade para as telonas, reiterando os versos do sambista. O filme está previsto para chegar aos cinemas em 2025.
O AdoroCinema recebeu o convite para passar um dia no set de Querido Mundo, que está sendo gravado no Rio de Janeiro. Tive a oportunidade de acompanhar a filmagem de uma cena, além de entrevistar os diretores e os protagonistas Malu Galli e Du Moscovis. O longa é produzido pela Ananã Produções, coproduzido pela Star Original Productions e ainda conta com Marcello Novaes e Danielle Winits no elenco principal.
Qual é a história de Querido Mundo?
Em Querido Mundo, a dona de casa Elsa (Malu Galli) e o engenheiro Oswaldo (Du Moscovis) estão passando por catástrofes pessoais em suas respectivas vidas e, como último recurso, passam a morar em um edifício abandonado pela construtora durante a obra. Durante uma noite de tempestade, um acidente provoca uma explosão em seus apartamentos, obrigando-os a dividir o espaço, seus sonhos e esperanças de um futuro melhor.
A comédia dramática é baseada na peça homônima escrita por Miguel Falabella e Maria Carmen Barbosa. Sucesso no teatro, a adaptação usa o cenário dos apartamentos destruídos como palco. Parte das sequências foi filmada em um prédio em construção na Barra da Tijuca e, durante a visita, pude vê-lo reproduzido com uma riqueza de detalhes impressionante no estúdio.
Escombros são o palco da tragicomédia de Miguel Falabella e Hsu Chien
Durante as cenas, uma câmera sobre trilhos é usada para captar imagens em que os atores transitam entre os dois apartamentos. Malu Galli me explica que a forma pela qual o cenário é aproveitado é um dos elementos que levam a linguagem do palco para a versão cinematográfica:
“Temos usado o espaço inteiro. Às vezes tem uns planos gerais muito abertos, então tem uma coisa de espacialidade também que parece que estamos no palco. Assim tem uma teatralidade também nessa ocupação dos espaços”, descreve a atriz.
O pacto cênico com a plateia também é um recurso dramatúrgico que a dupla de cineastas faz questão de reforçar em seu filme. Afinal, como o próprio Miguel Falabella reconhece, “o público não é burro”. Eles exploram tomadas e abordagens que fogem do padrão comercial que vemos, muitas vezes. E o espectador sabe que aquilo se trata de um cenário, uma representação da realidade e não, efetivamente, o real.
Fazer o que a gente quer não tem preço. Eu não sou obrigado a fazer só paisagem-close, paisagem-close. Às vezes é um take que é absolutamente teatral, às vezes absolutamente cinematográfico, porque é o que eu quero, defende Falabella.
O diretor afirma, grato, que essa possibilidade é graças à liberdade criativa que possui na relação com o produtor Júlio Uchôa, com quem repete a parceria de Veneza. Também presentes na dobradinha estão o diretor de arte Tulé Peak e o diretor de fotografia Gustavo Hadba. Eles exercem o papel fundamental de construir o ingrediente chave do visual do filme: o monocromático.
A dinâmica de luz realizada através do preto e branco se configura como uma forma de estabelecer a linguagem cinematográfica em um texto originalmente escrito para o teatro, como destaca Du Moscovis:
“Os diálogos e as sequências não são teatrais. Elas são mesmo numa pegada cinematográfica. E aí ainda vem o nosso fotógrafo, o Gustavo Hadba, que é um um craque de muito tempo, e faz uma ‘cama’ para a gente com um recorte de luz que não tem como você pensar em teatro mais”, diz o protagonista, que também está no elenco de Veneza.
O preto e branco ilustra o drama dos personagens de Querido Mundo
Logo no início das filmagens do dia, Júlio Uchôa comentou com o grupo de jornalistas presente na visita ao set que o fato do filme ser rodado majoritariamente em preto e branco é uma “feliz coincidência". Isso porque a quantidade de produções que usam essa dinâmica do P&B versus cor saindo indica uma tendência no mercado.
Maestro, de Bradley Cooper, e Roma, de Alfonso Cuarón, são exemplos recentes. Chien e Falabella também destacaram que a escolha pelo monocromático bebe na fonte de Peter Bogdanovich em A Última Sessão de Cinema.
Antes da questão comercial, claro, o uso do preto e branco é um meio de estabelecer o tom da narrativa através do visual. Hsu Chien ressalta que a dualidade desse filtro “certamente tem uma metáfora no sem vida, no sem cor. E como a cor é importante para essa transição, esse retorno para a esperança”. Miguel ainda diz que isso reflete a trajetória e o passado dos personagens:
“Essa cor é roubada da vida deles, não só pela criação que tiveram, mas pela vida. A vida tira a cor deles”, acrescenta o diretor.
A luz - ou as cores - no fim do túnel para Elsa e Oswaldo vai sendo descoberta ao longo da história através do humor e da relação que eles constroem durante a noite que se conhecem. E, pelo o que eu consegui espiar durante as filmagens, podemos ver que o tragicômico permeia o roteiro que, segundo Malu Galli, está repleto de pérolas.
Mas como encontrar lugar para a graça quando falamos de uma mulher que está em um relacionamento abusivo com o marido e um homem que perdeu o emprego e o casamento de anos de uma vez? Du Moscovis aponta que é “justamente daí que vem a comédia”:
A gente consegue rir das situações adversas porque estamos completamente imersos nelas, sem deixar de sofrer e sem deixar de tirar um olhar positivo delas. As coisas, de repente, não vão melhorar, mas piorar não podem, né?, reflete.
Sob o mesmo guarda-chuva está o romance, que Malu descreve como uma “plantinha que floresce do asfalto”. A protagonista conta que essa relação se aproxima de uma fábula, uma vez que, no meio do caos os personagens tentam se apegar à ideia de que o destino os uniu:
"Funciona quase como uma alegoria esse apartamento destruído e os dois sem ter para onde ir com a vida toda devastada. É como se eles se agarrassem um ao outro como se fosse a última coisa que eles têm. Você tem uma pessoa diante de você que foi posta pelo destino ali na sua frente e isso que tem que querer dizer alguma coisa", pondera.
Ainda que defina Querido Mundo como “explosivo e alucinante”, Miguel Falabella enfatiza que, acima de tudo, o filme se trata daquele “rir para não chorar”:
“Querido Mundo é um texto muito brasileiro. Esses personagens já estão numa situação de não acolhimento pela vida. E como isso não bastasse, ainda vem uma tragédia. Como você ainda consegue olhar para a vida com esperança depois disso? Então, eu acho que é, no fundo, uma comédia sobre esperança, porque, apesar dos pesares, há um dia seguinte e talvez ele possa ser melhor”.
Querido Mundo está previsto para ser lançado nos cinemas brasileiros em 2025.
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