“É o puro suco do Brasil, mas muito universal ao mesmo tempo”. Este foi um dos tópicos da conversa que o AdoroCinema teve com a diretora Carolina Markowicz e com a atriz Maeve Jinkings que, neste ano, repetiram a parceria de Carvão (2022), com o “drama” (entre muitas e muitas aspas) de Pedágio. Trata-se de um dos melhores filmes brasileiros de 2023 que, com uma história profundamente conectada ao nosso contexto, teve ótima recepção internacional, com passagem e premiações em festivais de cinema na Itália, Inglaterra, Suécia, entre outros.
“Às vezes, acho que quanto mais pessoal e mais humano, mais universal também. Porque existem inquietudes e complexidades humanas que trazem identificação independente dos problemas específicos de cada sociedade. As desigualdades aqui são maiores do que nesses outros países, evidentemente, mas a questão das sombras, da hipocrisia, acho que são identificáveis”, diz Carolina.
De fato, a hipocrisia (com seus resultados trágicos) é um dos temas centrais de Pedágio, que acompanha a história de Suellen (Maeve Jinkings) e de seu filho Tiquinho (Kauan Alvarenga). A mãe, que trabalha como cobradora de pedágio na cidade de Cubatão, em São Paulo, decide inscrever o adolescente em um curso de “cura gay”, que promete torná-lo heterossexual.
Suellen não é, exatamente, uma pessoa religiosa ou pessoalmente tão convicta assim de que o filho precisa ser heterossexual, mas o preconceito das pessoas que estão à sua volta tem papel fundamental nesta conclusão – incluindo, por exemplo, os conselhos da colega de trabalho que desaprova a moral de Tiquinho, mas que é infiel no casamento.
“Suellen não tem consciência do nível de violência a que está sujeitando Tiquinho. É como mais um castigo que ela está dando para corrigi-lo porque é seu papel como educadora preparar este homem que, estatisticamente, sendo retinto e periférico, tem menos chances. Ela não tem muita elaboração disto e tende a querer se encaixar, a seguir as regras do jogo, para não dificultar uma vida que já é difícil. Isso é muito cruel”, explica Maeve.
Quando a realidade é absurda, o humor pode ser ferramenta?
“O Exu arrenda o seu corpo até os 17, depois é usucapião”, diz uma das assistentes da terapia de conversão sexual. É apenas um dos momentos em que a diretora aponta para o absurdo com a lupa do humor. Tratando de um tema sério e que faz vítimas graves no mundo real, Pedágio escolhe o riso, em alguns momentos, para deixar claro que onde realmente está a piada.
“Já vi vários filmes que demonstravam graficamente essa violência da cura gay tanto física, quanto emocional, e não queria ir para esse lado. Queria levar o holofote para o absurdo que é existência de uma cura gay, de se acreditar que faz sentido e no charlatanismo todo que existe nisso. É o desconforto do que é patético. Acho que a vergonha é um sentimento muito poderoso e eu queria colocar as pessoas que performam essa violência em um lugar de sátira”, continua Carolina.
“Sinto que no final as pessoas saem do filme muito mexidas porque é muito real, por conta do que vivemos recentemente também com a tentativa de impedir o casamento homoafetivo”, diz Maeve, que pontua o humor da direção (que, para ela, também faz parte do sucesso internacional). “O humor da Carolina, em uma circunstância dramática, tem menos pudor, menos moralismo”, ressalta.
Personagens humanos para uma história humana
Este tom, que suaviza o clima do filme mesmo com o drama escancarado, também se reflete na construção de Tiquinho: na contramão de histórias que se ancoram no sofrimento propriamente dito, Pedágio parece escolher uma construção diferente para seu co-protagonista e, em especial, para a relação entre mãe e filho. O problema na família não vem de dentro de casa – mas o contexto externo vai minando as relações. E isso é que é verdadeiramente trágico.
“Acho que eu não queria que o Tiquinho fosse um personagem frágil, sofrendo. Ele busca aceitação da mãe. Não vou nem dizer amor, porque acho que isso ele já tem, mas ela é equivocada no que acha bom para ele. Era muito importante que eles tivessem essas nuances e que fosse uma relação entre uma mãe e um filho adolescente, em que às vezes ele é um pentelho”, brinca a diretora. “Do mesmo jeito que não queria que ela fosse um terror. Ela é uma mãe que ama o filho e quer o melhor para ele, mas é equivocada”, completa.
Para dar vida às camadas da personagem a diretora queria, Maeve Jinkings foi à pesquisa de campo: além do contato com mulheres que trabalham nas cabines do pedágio, a atriz também foi conhecer mães da comunidade LGBTQIA+, em especial por meio de ONGs que dão suporte à causa.
“Foi muito importante para que eu entendesse a relação entre a Suellen e o Tiquinho. É engraçado porque existe o afeto, mas também a vergonha. Às vezes é de admitir que o filho é gay, mas às vezes é assim: ‘tenho vergonha de admitir que não o aceito do jeito que é porque sei que estou errada’. Então tem essa contradição da mãe que claramente ama o filho, mas não sabe lidar com o julgamento e com o sofrimento causado. Isso é tão humano e elas me deram essas conversas de uma forma tão generosa”, relembra a atriz.
Ao tocar em uma tema que diz respeito à identidade, o filme também relembra, com as reviravoltas na história de Tiquinho e Suellen, que a liberdade individual também precisa ser um compromisso coletivo. O próprio pedágio – e aqui é cada um com sua interpretação – já nos diz um pouco sobre isso. “É a companhia diária de milhares de pessoas e, ao mesmo tempo, de ninguém. É tão contraditório que fazia sentido”, pontua Carolina.
Pedágio estreia nos cinemas brasileiros em 30 de novembro.
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