Quando pensamos no gênero "body horror", lembramos principalmente de David Cronenberg, em filmes como A Mosca (1986) ou, mais recentemente, Crimes do Futuro (2022), que derivam seu horror principalmente da alteração patológica ou da manipulação do corpo humano. Mas se pudéssemos ver como ele se parece - literalmente - dentro de nós, isso por si só já seria horror corporal suficiente: não é à toa que muitas pessoas não suportam ver sangue - o fluido que nos mantém vivos, afinal de contas.
Nenhum filme dos últimos anos confrontou seu público com isso de forma tão implacável quanto De Humani Corporis Fabrica (em tradução livre: A Fábrica do Corpo Humano) - não é um filme de terror, mas sim um documentário! No entanto (ou melhor: exatamente por causa disso), o filme é um verdadeiro teste a nossa coragem.
DE HUMANI CORPORIS FABRICA NOS LEVA A UM LUGAR ONDE O BODY HORROR FAZ PARTE DA VIDA COTIDIANA
Lucien Castaing-Taylor e Véréna Paravel realizaram alguns dos documentários mais radicais dos últimos anos. Leviathan (2012) - um filme sobre a indústria pesqueira norte-americana - foi uma experiência audiovisual que ofereceu imagens nunca vistas antes; em Caniba (2017), os cineastas deixaram o assassino de mulheres e o canibal japonês Issei Sagawa contar seus feitos (e aproximaram a câmera milimetricamente de seu rosto e corpo).
De Humani Corporis Fabrica é seu mais recente trabalho e nos leva a um lugar onde o "horror corporal" faz parte da vida cotidiana: o hospital.
De Humani Corporis Fabrica retrata o cotidiano de trabalho em um hospital de Paris, que naturalmente consiste em doenças, sofrimento e operações. Castaing-Taylor e Paravel vão até onde dói - e literalmente forçam seus espectadores a se reconciliarem com seus próprios corpos e existências.
Se tiver coragem, você pode assistir a De Humani Corporis Fabrica, que está disponível exclusivamente no serviço de streaming Mubi.
IMAGENS QUE NUNCA VEREMOS DE OUTRA FORMA
Em um duplo sentido, o filme nos oferece percepções que, de outra forma, permaneceriam ocultas para nós: em primeiro lugar, vemos, mas o mais importante é que ouvimos os médicos e cirurgiões enquanto eles abrem corpos humanos, vasculham dentro deles e os costuram novamente.
E podemos ouvir tudo o que normalmente não chega até nós em um estado anestesiado: os médicos fazem piadas, enfrentam a realidade precária de seu trabalho com raiva e humor ácido, falam sobre assuntos particulares ou até mesmo comentam sobre o corpo que está aberto e desprotegido na frente deles.
Isso é tão esclarecedor quanto perturbador! Ao mesmo tempo, só podemos nos maravilhar com o trabalho de precisão que a equipe do hospital faz todos os dias e que nenhuma máquina poderia igualar. Por outro lado, vemos corpos - os dos pacientes, mas, de alguma forma, também os nossos.
Com a ajuda de câmeras endoscópicas, penetramos em mundos corporais que às vezes são belos, sempre surpreendentes e muitas vezes insuportáveis de se ver. Vemos uma infusão espinhal, assistimos a um parto por cesariana, testemunhamos uma operação de próstata (incluindo a inserção de um cateter pela uretra) e, quando uma nova lente é inserida em um olho, nós a vemos por minutos em um close-up que preenche toda a imagem.
De Humani Corporis Fabrica mostra todos os tipos de órgãos internos, desde a bexiga até o fígado, e é difícil imaginar como um ser humano pode se orientar. Até mesmo um dos cirurgiões perde o controle em um determinado momento: "Isso está ficando um pouco abstrato demais para mim agora!".
Castaing-Taylor e Paravel não nos poupam da visão de um tumor de mama extirpado, nem da visão de cadáveres alinhados um ao lado do outro na sala de autópsia. Em sua estreia em Cannes, isso foi demais para alguns espectadores: muitos deles deixaram o auditório muito antes do final do filme.
Isso é compreensível, mas De Humani Corporis Fabrica é uma experiência cinematográfica extraordinária que vale a pena assistir até o fim. Porque poucos filmes se aproximam tanto da condição humana, de sua fragilidade, mas também de sua resiliência, e poucos filmes são capazes de ampliar nossa visão tão existencialmente - mesmo que primeiro tenhamos que lutar para atravessar litros de sangue e camadas de vísceras.
Em De Humani Corporis Fabrica, não apenas os corpos danificados, mas também o hospital aparece como um organismo frágil (por mais que as câmeras penetrem nos cantos mais profundos do corpo humano, o filme nunca perde de vista o quadro geral, as circunstâncias socioeconômicas) e, em alguns momentos, o filme é simplesmente um cinema experimental altamente fascinante, quando amostras de células ampliadas microscopicamente assumem as cores e as formas mais maravilhosas.
Fique por dentro das novidades dos filmes e séries e receba oportunidades exclusivas. Participe do nosso Canal no WhatsApp e seja um Adorer de Carteirinha!