O Filme O Encouraçado Potemkin (Bronenosets Potyomkin, 1925) do diretor letão Sergei M. Eisenstein (1896-1954), é um filme mudo que reconta a história ocorrida pela ótica dos então derrotados/ massacrados em 1905 e que foram vitoriosos mais de uma década depois na Revolução Russa de 1917.
A insurgência ocorrida nos Mar Negro, próximo a cidade de Odessa, na Ucrânia dentro de um navio de guerra do Império Russo, o Encouraçado Potemkin. Seus marinheiros, cansados das humilhações e condições sub-humanas que eram sujeitos por seus superiores, deflagram um motim após se recusarem a comer carne podre.
Na tentativa dos oficiais superiores em retomar o controle dos amotinados, fuzilando alguns marujos revoltosos, a tripulação liderada pelo carismático personagem Vakulinchuck, que ao não tolerar ver o eminente fuzilamento de alguns de seus camaradas, resolve agir e tomam o navio, após uma intensa luta em que o próprio Vakulinchuck é assassinado de forma covarde.
Sua morte, o torna um mártir na cidade de Odessa, cuja população, de diferentes classes e religiões se comovem com a morte do herói “por um simples prato de sopa” e aderem ao motim dos embarcados no Potemkin.
O filme é de uma beleza impar em suas imagens e sons sobrepostos de diferentes ângulos proporcionam em cenas realistas, ao qual nos sentimos dentro daquela angustia e que nos remetem a urgência para a ação contra a tirania dos Czar: Trabalhadores Uni-vos!
Aos meus olhos a cena das embarcações a vela do povo de Odessa se solidarizando e aderindo ao motim dos marinheiros indo até ao Encouraçado levar mantimentos é um dos momentos mais bonitos e fraternos. Em contraponto, o marchar dos cossacos a serviço do Czar contra o povo que protestava na cidade, matando indiscriminadamente crianças, mulheres e homens, de diferentes idades e classes sociais é de uma violência tirânica que nos traz o impulso a se levantar contra esta injustiça e nos lembrar nos dias atuais de nossa passividade diante do massacre do dia a dia que vivemos em nossos país, nas aldeias, nas favelas, nas universidades, nos hospitais por um governo opressor e insensível as dores da maioria da população como a fome, o desemprego e o descaso com a pandemia de SARS-COV-2.
Nesta sequência, o diretor realiza uma das cenas mais antológicas do cinema mundial: nas escadarias de Odessa um carrinho de bebê desce descontroladamente por entre os corpos da população massacrada pelo exército branco do Czar. Esta cena, de tão espetacular não envelhece, sendo uma referência eterna e que já recebeu muitas homenagens como a cena dirigida pelo cineasta norte americano Brian de Palma (1940) no filme estadunidense Os Intocáveis (1987).
No mesmo ano do fato, em A Revolução Educa (1905), Lenine escreve que “Enquanto não for varrida a superestrutura velha e minada, cuja podridão contamina todo o povo, qualquer nova derrota dará origem a exércitos sempre renovados de combatentes.” (...)
“Mas, enquanto a sociedade estiver edificada sobre a opressão e a exploração dos milhões de trabalhadores, são raros os que podem aproveitar diretamente das lições dessa experiência. As massas aprendem sobretudo pela sua própria experiência e pagam cada lição com sacrifícios terríveis. A lição de 9 de janeiro foi cruel, mas ganhou para a revolução o proletariado de toda a Rússia. A lição do levantamento de Odessa é cruel, mas, vindo somar-se a um estado de espírito já revolucionário, ensinará o proletariado revolucionário a vencer e não apenas a bater-se. O exército revolucionário foi batido, viva o exército revolucionário! eis o que dizemos depois dos acontecimentos de Odessa.”
Um acontecimento bastante similar e na mesma década não desencadeou o mesmo despertar de uma revolução do proletariado em nossas terras como o que ocorreu na Rússia. A Revolta da Chibata de 1910, motim de marinheiros brasileiros que estavam em navios atracados na baía de Guanabara e se rebelaram e tomaram os navios após um dos marinheiros ser sentenciado ao castigo de 250 chibatadas a bordo. Este levante foi liderado por nosso heroico João Cândido, que recebeu a alcunha de Almirante Negro, e que tomou diversos navios da Armada Brasileira, sendo muitos Encouraçados.
Após negociação com o Governo Brasileiro que aceitou as reivindicações dos marinheiros, como a substituição de oficiais, o aumento do soldo, o fim dos castigos físicos e o melhor tratamento na Marinha brasileira, os marinheiros revoltosos entregaram as embarcações para seus oficiais com a promessa de anistia, mas foram traídos dias depois pelo Governo e Marinha do Brasil que prendeu e torturou na Ilha das Cobras 22 líderes da revolta. Outros marujos foram fuzilados e muitos enviados ao Acre, onde foram obrigados a trabalhar nos seringais da região.
Eisenstein parece homenagear além dos mártires do levante, como Vakulinchuck, seus irmãos marinheiros, o povo de Odessa que se levantou e foi massacrado em 1905, a Revolução Russa de 1917 e o próprio Vladimir Lenine (1870-1924) que faleceu meses antes da estreia do filme na União Soviética em dezembro de 1925. Ao líder da Revolução, o filme o celebra com textos de sua autoria, palavras de ordem, a bandeira rubra onipresente em meio a imagens monocromáticas e um final diferente ao ocorrido em 1905 com toda a armada russa se unindo aos insurgentes após uma sequência de tirar o folego com um som galopante e frenético trazendo à tona um iminente conflito entre irmãos.