Uma característica marcante dos filmes de Darren Aronofsky, diretor norte-americano de Nova Iorque conhecido pelos filmes perturbadores e controversos, é o foco em narrativas de indivíduos e a sua percepção individual dos fatos ao seu redor. Em Black Swan, o próximo trabalho do diretor, por exemplo, o público é apresentado a história de Nina, uma bailarina que se sente pressionado pela importância de seu próximo papel e pela rivalidade com Lily, uma de suas colegas. No filme de 2010, é trabalhado a percepção sensorial e psicológica de Nina sobre o ambiente que ela é inserida, influenciada por seus tormentos mentais, ou seja, a linha de fronteira entre o mundo mental e o mundo físico é rompida. Em The Wrestler, ao contrário, a relação entre Randy “The Ram” e o ambiente é o mais real possível, sem ser marcada por elementos sobrenaturais e metafísicos como em Black Swan, que aproximam o filme do gênero suspense e terror. The Wrestler é um filme real (se pode usar esse termo) abordando emoções e histórias através de elementos reais, e essa definição é de extrema importância para a real definição desse filme.
The Wrestler é, antes de tudo, uma história sobre fragilidade. Randy “The Ram” é uma figura que transborda masculinidade para esconder seu lado frágil e fraco, incompatíveis com sua profissão de lutador profissional. É a negação de personagens como Rocky e Rambo, que, no século, marcado pela guerra fria e pelo dualismo entre capitalismo americano e comunismo soviético, eram símbolos do poderio dos Estados Unidos sobre o mundo. Nesse sentido, Randy “The Ram” é a faceta da sociedade americana que o país sempre tenta esconder, o lado pobre e miserável, representado pela constante aparição da bandeira norte-americana em alguns cenários do filme como os rinques e o quarto do protagonista, e Aronofsky já trabalhou a “outra faceta” da sociedade americana em Requiem For a Dream quando mostrou como a indústria farmacêutica movimenta o país, principalmente em uma classe média que tem um mínimo de poder de consumo. Nesse caso, a “outra faceta” da sociedade americana é Randy Robinson fora dos ringues, é a imagem do protagonista tossindo com seus problemas de saúde logo após a introdução do filme que apresenta os momentos de glória do lutador.
Aronofsky é um diretor que trabalha com um niilismo extremo em seus filmes, mesmo que, contraditoriamente, tenha sido responsável pela mais recente adaptação da história de Noé, personagem histórico da bíblia que construiu uma arca para salvar todas as espécies de animais de um dilúvio mandado por Deus. The Wrestler passa a ser, assim, um dos filmes mais niilistas do diretor na forma como é a reação de Randy sobre os acontecimentos e problemas na sua vida e qual a relação desses elementos com a sua carreira de lutador profissional. Randy “The Ram” aceita continuar sua carreira como lutador mesmo sabendo de seu problema cardíaco, pois sabe que não tem mais nada em sua vida que vale a pena continuar lutando a não ser a luta livre, nem mesmo sua própria filha. O niilismo deixa de ter um teor negativo relacionado a crise existencial, uma percepção típica de um senso comum, e passa a ser a libertação do indivíduo frente a valores que não se sustentam mais, valores como trabalho e família que moldam a base conservadora não apenas da sociedade americana mas de toda a sociedade ocidental. O valor do trabalho é quebrado quando Randy abandona o emprego no supermercado como atendente, enquanto o valor da família é rompido quando o protagonista rompe definitivamente com sua filha. Dessa forma, a decisão final do protagonista na luta contra o Ayatollah é um sentido de revolta niilista contra esses mesmos valores.
O niilismo de The Wrestler, mesmo tendo apenas se incorporado no final da obra, é um elemento presente em todo o filme desde a violência da segunda luta, que antecedeu a passagem de Randy ao hospital, mostrada de forma crua e sem um sentido fixo, até a maneira como o protagonista expõe as feridas do corpo de lutas anteriores como um troféu para Cassidy. Essas duas cenas mostram como a violência é presente na vida do lutador profissional e como ela preenche o vazio existencial de cada um, e é justamente a maneira que a violência é exposta no filme que o torna a obra niilista e crua que ela é. Ao contrário, por exemplo, do mangá Trigun, onde as feridas no corpo do protagonista Vash The Stampede são reflexos do uso da não-violência do personagem durante sua obra, em The Wrestler, as marcas do corpo são reflexos da glamorização da violência na sua profissão de lutador, e para quem acompanhou tanto o mangá que inspirou a série de anime de 1998 animada pela Madhouse quanto o filme de Darren Aronofsky de 2008, sabe qual o peso da diferença entre a não-violência que resulta a compaixão e o a violência, seguida da descrença, que resulta o niilismo, quando comparados Vash e Randy.
Existe, basicamente, duas provas que Randy “The Ram” poderia ser uma simbologia ao Estados Unidos: a primeira é a luta contra o punk anarquista, adversário que simboliza a revolta contra a ordem e o sistema, e a segunda é a luta contra Ayatollah, que simboliza o Irã, um dos principais inimigos políticos dos Estados Unidos. Ambos os adversários que enfrentaram em algum momento o protagonista são simbologias para aquilo que se opõe ao poderio norte-americano, seja no combate a ordem e ao sistema tão defendido pelo neo-conservadorismo do país, seja em defesa de um país considerado “minoritário” no cenário político e econômico mundial. A possibilidade de o protagonista ser a incorporação física do próprio país é quebrada justamente com o teor niilista da decisão de Randy no fim do filme, onde o protagonista, simplesmente, abandona qualquer forma de simbologia a algo externo, considerando a possibilidade citada acima, e passa a ser um ser humano cujas decisões são voltadas exclusivamente para si mesmo. Logo, o golpe final de Randy “The Ram” contra o Ayatollah não é um golpe dos Estados Unidos contra o Irã, mas a concretização da decisão final do personagem sobre sua vida, onde qualquer forma de simbologia política, feita aos personagens heróicos do cinema hollywoodiano durante o período de guerra fria como Rambo e Rocky (que, não coincidentemente, tem o R como letra inicial assim como Randy), é abandonada e o protagonista de The Wrestler se torna, enfim, um ser humano autêntico.