Sexy e bem-humorado filme de Almodóvar sobre o amour-fou. "Atame" fala sobre temas semelhantes ao mórbido "Matador" e ao assustador "A pele que habito", com leveza e comicidade , sem perder de vista seu caráter passional e apaixonante . Almodóvar é um mestre em trabalhar com situações limite , com personagens hiperbólicos que amam demais ; que erram demais ; que desejam demais ; que são ingênuos e transgressores na mesma proporção. Seu universo explode em cores , em gestos amplos e em amores desmedidos e exagerados , em uma sexualidade cinematográfica. É um verdadeiro banquete de emoções à flor da pele , onde tudo pode acontecer quando o tema é viver intensamente. Quando Rick e Marina finalmente se relacionam sexualmente , podemos ver seus corpos por meio de um grande espelho no teto , que nos remete ao mundo voyeur do cinema , onde cada espectador passa a espreitar a intimidade alheia ; onde o amor vira espetáculo, porém, não no sentido hollywoodiano da palavra. Em Almodóvar o amor não é cor-de-rosa e perfeito , porém, é o essencial da vida ; é o que a justifica ; o que a faz valer a pena , mesmo com todas as loucuras e fragilidades que os seres humanos apresentam. O gosto pelo desvio, pelo imperfeito ; o olhar sensível que lança sobre os marginalizados torna seus filmes extremamente humanos. Como em outras obras de Almodóvar as cores são vivazes e há uma interessante mescla de elementos sagrados e profanos. A mesma mulher que brinca com um vibrador usa um crucifixo, representando desta forma a Espanha barroca e mestiça , carregada de sensualidade e religiosidade ao mesmo tempo. O filme é todo marcado por uma aura de transgressão e instabilidade , começando pelos pequenos furtos que Rick comete e nos remete à marginalidade. Para delinear seu caráter instável, nos faz mergulhar no mundo dos traficantes , dos loucos ; cita romances interrompidos abruptamente , reencontros repentinos e inesperados. Duas cenas em "Atame" merecem destaque: a frase do cineasta veterano que considera amor e terror a mesma coisa , faces da mesma moeda. Este tema será levado às últimas consequências em "A pele que habito". Outra cena célebre é quando a personagem de Victoria Abril diz "Atame" para o personagem de Antonio Banderas. O verbo atar não se conjuga no imperativo . Porém, no universo de Almodóvar seu pedido/ordem soará muito natural. Vibrante , afetivo, sensual , tragicômico e profundamente espanhol.