O Exorcista II: O Herege (Exorcist II: The Heretic) 1977
"Exorcista II: O Herege" é dirigido por John Boorman (se último filme foi "Rainha e País", de 2014), escrito por William Goodhart e Rospo Pallenberg. É o segundo filme da série de filmes "O Exorcista" e a sequência direta de "O Exorcista" (1973), e é estrelado por Linda Blair, Richard Burton, Louise Fletcher, Max von Sydow, Kitty Winn, Paul Henreid e James Earl Jones. Foi o último filme a contar com a participação do veterano ator Paul Henreid (o lendário Victor Laszlo de Casablanca, de 1942).
O longa-metragem é ambientado quatro anos após "O Exorcista", onde temos a icônica Regan MacNeil (Linda Blair), agora com 16 anos, que no momento está vivendo em Nova Iorque. Regan é uma linda adolescente que ainda está se recuperando de sua possessão demoníaca anterior, e que aparentemente não tem lembranças dos acontecimentos do passado. Porém, ela volta a ouvir vozes e ter delírios, o que logo é intermediado por uma psicanalista, que tenta ajudá-la de alguma forma, mas novamente ela precisará de um exorcista para afastar de vez o demônio que parece nunca ter saído de seu corpo.
Preciso contextualizar:
Em novembro do ano passado eu li a obra-prima literária de William Peter Blatty lançado em 1971 - "O Exorcista". Como eu sempre soube e só comprovei após ter lido o livro, "O Exorcista" está na lista das maiores obras literárias do terror de todos os tempos. Uma obra categórica que impactou e assombrou com o seu poder em criar um verdadeiro embate entre a ciência e a fé, cuja história navega com bastante eficiência e relevância no ocultismo, no mistério, no suspense e no terror, e ainda cria todo um ambiente que desenvolve o drama, o trauma, a frustração e o sofrimento. O livro vai ainda mais além ao nos imergir em um verdadeiro terror psicológico, sobrenatural, algo que mexe com a nossa crença, com a nossa fé, que nos causa um desconforto mental e espiritual, pois esta obra não se trata apenas de uma simples história sobre o bem contra o mal, ou sobre Deus contra o Demônio, mas também sobre a renovação e o poder da fé.
Dito isto:
Logo após ter lido o livro eu fui rever este clássico que eu simplesmente o considero como o maior filme de terror da história do cinema. E como eu sempre faço com uma franquia que foi adaptada de um livro, após a leitura eu vou conferir todas às obras tiradas desse universo. Sendo assim eu já revisitei o clássico, a série de duas temporadas de 2016, e agora chegou a hora de conferir todos os filmes lançados cronologicamente após "O Exorcista".
Sobre a produção de "Exorcista II: O Herege":
Curioso que nem William Peter Blatty nem William Friedkin, o escritor/produtor e o diretor, respectivamente, do original "O Exorcista", tinham qualquer desejo de se envolverem em uma sequência do filme. Linda Blair concordou em reprisar seu papel de Regan MacNeil, mas se recusou a usar maquiagem de demônio (um duplo foi usado para as breves cenas de flashback retratando uma Regan demoníaca). Max von Sydow foi convencido por John Boorman a repetir o papel do Padre Merrin; ele inicialmente relutou em retornar por causa de suas preocupações com o impacto negativo do primeiro filme. Kitty Winn assinou contrato para reprisar o papel de Sharon Spencer nessa sequência depois que Ellen Burstyn se recusou terminantemente a retornar como Chris MacNeil.
Sobre o filme:
"Exorcista II" é mundialmente considerado como a pior sequência de um filme que é amplamente considerado como uma obra-prima da história do cinema. Algo como o melhor filme de terror de todos os tempos com uma continuação como o pior filme de terror de todos os tempos. É fato que o longa enfrentou vários problemas durante sua produção; como o caso do diretor ficar doente durante as gravações, problemas nos sets de filmagens que incluíam filmagens supersaturadas e necessidade de refilmagens, o caso do editor do filme original, John Merritt, que abandonou a produção e foi substituído por Tom Priestley. As atrizes Kitty Winn e Louise Fletcher sofreram de infecções na vesícula durante a produção e filmagens. O longa ainda enfrentou várias crises de agendas entre produtor, diretor e editor, tanto que o roteirista Rospo Pallenberg dirigiu grande parte do filme e também reescreveu, sendo até creditado como o diretor da segunda unidade e um "associado criativo" (praticamente um diretor em cada metade do filme).
Sendo bem sincero:
Eu sempre defendi que uma obra-prima é irretocável e autossuficiente, sem a menor necessidade de continuações e muito menos remakes, como é justamente o caso aqui. Portanto, antes mesmo de assistir "Exorcista II" eu já julgava que esta era aquela típica continuação completamente desnecessária, dispensável, inexplicável, injustificável e inaceitável, e eu não estava errado. O início do filme até soa promissor, quando temos aquela cena que traz um embate entre a crença do Padre e a defesa científica da psicanalista, algo como novamente o embate da possessão demoníaca contra a doença mental. Esta é uma cena interessante, quando temos em ação o trio formado por Regan MacNeil, o Padre Philip Lamon (Richard Burton) e a Dra. Gene Tuskin (Louise Fletcher). Por sinal, estes três são os únicos que ainda conseguem um pequeno destaque durante todo o filme.
Eu posso até considerar que inicialmente o roteiro começa no caminho certo, quando somos envolvidos pela presença da Regan agora como uma adolescente traumatizada pelos acontecimentos do seu passado, e que logo desperta a nossa curiosidade se ela realmente foi totalmente exorcizada do demônio. Dentro desse contexto temos novamente aquele velho embate entre a igreja e a ciência, cada um defendendo a sua tese e a sua crença. Dessa forma temos uma trama que inicia dentro da fantasia, da ficção científica, fazendo um contraponto com o suspense, o terror, e intensificando o drama dos personagens em questão. Portanto, mesmo considerando esta sequência como infundada e desnecessária, ela inicia no caminho certo, que é também o mesmo caminho do livro e do filme clássico. Porém, tudo que parecia estar indo bem logo desanda e cai vertiginosamente de qualidade e relevância.
É impressionante como o roteiro logo se perde, ficando muito claro que às ideias iniciais foram deixadas de lado e decidiram inventar outro roteiro, seguir por um outro caminho, saindo totalmente do suspense e do terror e mergulhando de cabeça em um delírio fictício, espalhafatoso, grotesco, sem pé e sem cabeça. De repente o roteiro parte do nada e vai para lugar nenhum, criando invenções mirabolantes para tentar explicar a nova presença demoníaca a partir de presenças de gafanhotos, viagem no tempo, flashbacks infundados, sonhos bizarros, fazendo uma grande mistura sem nenhum traço de ideia minimamente interessante ou coerente. Temos aqui uma trama completamente bagunçada, que não sabe para onde ir, a narrativa é totalmente perdida e não sabe que rumo quer tomar, a edição é toda capada com vários cortes abruptos e recolagem de cenas.
Está muito claro que na época decidiram fazer uma sequência do filme clássico unicamente para surfar no estrondoso sucesso do mesmo. Porém, se eles realmente quisessem usar o sucesso do filme clássico para lucrar (porque sinceramente eu não vejo outra explicação), que pelo menos fizessem as coisas direito, utilizassem a mesma equipe criativa, dessem margens para a coerência, que respeitassem a história e principalmente o legado do filme anterior. Mas nada disso acontece, porque nem a coerência em relação ao filme clássico eles souberam utilizar, já que ao tempo todo o roteiro defende somente a presença na história do passado do Padre Lankester Merrin (Max von Sydow) e sequer dá a mínima relevância ao Padre Damien Karras (Jason Miller), que foi o grande sacrificado na história para resolver a possessão da Regan.
Sobre o elenco:
É difícil achar algo bom sobre o elenco que mereça um destaque positivo, por mais que anteriormente eu relatei que a Linda Blair, o Richard Burton e a Louise Fletcher foram os únicos que ainda tentaram alguma coisa com seus respectivos personagens. A Linda Blair com uma idade entre os 17/18 anos era lindíssima, porém em questão de atuação e interpretação parecia muito forçado e parecia que sempre lhe faltava algo. No início do filme ela faz a adolescente inocente, perdida, uma pobre coitada, depois ela tenta demonstrar superioridade durante a possessão, porém fica extremamente forçado, caricato demais, principalmente naquela cena que ela tenta seduzir o Padre, cena esta que eu realmente senti uma vergonha alheia. Por essas e outras que a carreira da Linda Blair nunca decolou, ficando unicamente estigmatizada pela garotinha de "O Exorcista".
Richard Burton é aquele típico Padre perdido, desengonçado, todo atrapalhado, nitidamente ele sequer sabia o que ele estava fazendo ali.
Enquanto a Louise Fletcher faz a linha da Dra. inteligente, autêntica, safa, ardilosa, mas também logo se perde em sua própria personagem e fica muito canastrona.
O lendário ator Max von Sydow, que foi excelente no filme clássico, aqui teve pequenas participações como lembranças em forma de flashbacks.
Já a atriz Kitty Winn é mais uma que foi jogada no meio dessa salada maluca que foi o roteiro desse filme.
Tecnicamente o filme também deixa a desejar. Especificamente falando da trilha sonora, que eu fiquei boquiaberto quando descobri que o compositor era simplesmente o gênio Ennio Morricone. De fato temos uma trilha sonora até ok, que não se destaca mas também não compromete, é uma trilha sonora que cumpre o seu papel, porém, se estamos falando de Ennio Morricone, nem ele conseguiu salvar esta bomba de filme. A cinematografia é muito pobre, onde até a fotografia é ruim. A direção de arte é decente, compõe cenários até convincentes com a temática do filme. Já a edição do filme é pavorosa, é ruim que chega a doer.
Curiosidades e recepção crítica:
A direção de "Exorcista II" foi inicialmente oferecida a Stanley Kubrick, que recusou o projeto. Apenas depois John Boorman foi contactado para assumir a direção (Kubrick era gênio até para se livrar de bombas como esta). Mais curioso ainda é o fato que John Boorman chegou a se oferecer para dirigir "O Exorcista", mas terminou desistindo do projeto por considerar a história cruel demais (a história do primeiro é muito cruel e a do filme dele é babaca demais).
"Exorcista II" recebeu uma resposta fortemente negativa. Os relatórios indicaram que o filme inspirou risadas zombeteiras do público em sua estreia. O autor William Peter Blatty afirmou ter sido a primeira pessoa a começar a rir no cinema em que viu o filme. O diretor William Friedkin assistiu o filme e disse que era tão ruim quanto ver um acidente de trânsito na rua. Ele disse mais tarde que esta sequência diminuiu o valor do original e chamou-o de "a pior porcaria que já vi" e "uma maldita desgraça".
A Variety escreveu: "Exorcista II" não é tão bom quanto "O Exorcista". Na verdade não chega nem perto." O crítico de cinema da BBC, Mark Kermode, afirmou: " Exorcista II" é comprovadamente o pior filme já feito. Ele pegou o melhor filme já feito e o destruiu de uma forma que foi em um nível ridiculamente estúpida e em outro nível absolutamente imperdoável." Christopher Porterfield escreveu na Time Magazine : "A maioria das sequências oferece mais do mesmo. Esta oferece menos do mesmo. Mas o que resta é bobagem. Na verdade, a única síntese no filme é entre o ridículo e o involuntariamente cômico."
"Exorcista II" foi o maior lançamento diário da Warner Bros. O filme eventualmente arrecadou US$ 30.749.142 nos Estados Unidos, obtendo lucro, mas ainda assim decepcionante em comparação com o faturamento do filme original. Apesar de ganhar mais de US$ 30 milhões no mercado interno contra um orçamento de produção de US$ 14 milhões, a recepção negativa significou que o próximo filme da série "O Exorcista" não viria até "O Exorcista III" em 1990,13 anos depois.
A sequência da franquia de "O Exorcista" segue com "O Exorcista III", "O Exorcista - O Início" (2004), "Domínio: Prequela do Exorcista" (2005) e "O Exorcista - O Devoto" (2023).
Encerro reiterando que "Exorcista II: O Herege" é um filme que tem até um começo minimamente promissor, mas logo desanda vergonhosamente. Sendo assim eu tenho que ressaltar que o longa-metragem entra na lista das continuações de filmes clássicos que nunca deveria ter existido.
- 24/08/2024