O Silêncio dos Inocentes (The Silence of the Lambs)
Lançado em 1991, "O Silêncio dos Inocentes" foi dirigido por Jonathan Demme (falecido em Abril de 2017) e escrito por Ted Tally (seu melhor roteiro até hoje), adaptado do romance de Thomas Harris de 1988. O filme é o segundo a apresentar o Dr. Hannibal Lecter, um brilhante psiquiatra e assassino canibal em série, antecedido por "Caçador de Assassinos" de 1986, dirigido por Michael Mann. O longa é estrelado por Jodie Foster como Clarice Starling, uma jovem estagiária do FBI que está caçando um serial killer, "Buffalo Bill" (Ted Levine), que esfola suas vítimas femininas. Para pegá-lo, ela procura o conselho do Dr. Hannibal Lecter (Anthony Hopkins), um brilhante psiquiatra e serial killer canibal.
"O Silêncio dos Inocentes" é um clássico do suspense, do drama, do mistério, envolto em um terror psicológico que nos expõe em várias abordagens metalinguística. Esta obra-prima dos anos 90 possui um dos roteiros mais brilhante e inteligente da história dos cinemas, pois somo expostos ao lúdico, ao niilismo, adentrando em um clima soturno, com abordagens nas mais variadas camadas do ser humano. E este é um dos maiores trunfos desse excelente roteiro, nos expor a um verdadeiro estudo da psicanálise, do surto psicótico, com uma elaboração do mais alto nível de qualidade entre os diálogos incríveis e contundentes. Pois de fato o Dr. Hannibal Lecter era um gênio misterioso e sombrio, que aguçava a mente da Clarice Starling de várias formas, sempre adentrando em seu subconsciente e sempre a explicitando sobre os seus traumas do passado com os seus medos do presente e suas aflições do futuro - verdadeiramente uma espécie de professor e sua aprendiz.
Quando eu digo que o roteiro de "O Silêncio dos Inocentes" é um dos mais inteligentes da história dos cinemas eu não estou exagerando, pois de fato temos um trabalho do roteirista Ted Tally que se baseia no livro de Thomas Harris, que por sua vez faz toda uma analogia com os estudos de John Douglas e Robert Ressler, membros oficiais dos FBI que conversaram com criminosos em série para conseguir informações sobre seus crimes e criaram um manual de classificação para eles. Por outro lado podemos classificar a obra de Jonathan Demme como uma releitura sobre o assassino canibal Hannibal Lecter, ou até mesmo uma abordagem sobre o seu paciente e pupilo Buffalo Bill. Porém, este roteiro é tão espetacular e criativo que podemos ir mais além, podemos colocar como uma história de desenvolvimento da agente novata do FBI Clarice Starling.
Clarice é uma policial ainda em formação, que obrigatoriamente estar adentrada em um ambiente predominantemente masculino (como constatamos ao início do filme), dessa forma vemos constantemente o seu trabalho sendo diminuído até pela sua beleza, ou pelos olhos vulgares dos seus parceiros ao redor, como no caso do próprio chefe do manicômio quando ela chega pela primeira vez, ou até na cena em que ela caminha até a cela do Hannibal e os detentos ao redor ficam lhe atacando com insultos e palavras de baixo calão.
Esta obra de arte é tão magnífica que ainda podemos fazer uma releitura metafórica sobre a verdadeira tradução do título original do filme..."The Silence of the Lambs", que em português significa "O Silêncio dos Cordeiros". Em geral os cordeiros são denominados pela sua pureza, inocência, por ser uma animal dócil, e na Bíblia os cordeiros eram relatados com um símbolo da absolvição dos pecados cometidos, que eram dados como um sacrifício em troca do perdão - Jesus era considerado o cordeiro de Deus, aquele que tirava o pecado do mundo. Dessa forma podemos considerar a simbologia trazida pelo nome "Cordeiro", que está ligado diretamente com a inocência e o sacrifício que nos remete ao nome do filme aqui no Brasil - "O Silêncio dos Inocentes". Também podemos ligar essa história sacrificial dos cordeiros com a história da vida da Clarice quando ela ainda era uma criança órfã, quando ela teve que ir morar na fazenda dos seus parentes. Temos algumas cenas que nos evidencia sobre esta passagem...como o fato do Hannibal aceitar ajudá-la de alguma forma com o Buffalo Bill mas antes lhe perguntar coisas do seu passado. Clarice lhe conta sobre o dia em que teve que fugir da fazenda ao acordar à noite e presenciar os sacrifícios dos cordeiros, quando ela decidi liberar os cordeiros e tentar salvar pelo menos um do sacrifício - tudo aquilo que ela presenciou lhe incomodou muito ao ponto dela fugir da fazenda em que morava.
Metaforicamente Clarice era um cordeiro alvejado que estava preste a ser sacrificada como uma figura inocente em meio às histórias de Hannibal Lecter e Buffalo Bill - pra mim este é um roteiro extremamente inteligente, criativo, sagaz, um dos melhores roteiros de todos os tempos.
A mariposa que aparece diversas vezes no filme, como no caso dos próprios assassinatos do Buffalo Bill que ele enfiava uma na garganta das suas vítimas, e também está na capa do filme na boca da Clarice, de alguma forma lhe silenciando, tem um certo significado. Eu interpretei como um significado da ascensão, da transformação, do crescimento, como a própria transformação das borboletas, pois as mariposas passam pelo mesmo processo de transformação. Uma clara alusão a Clarice e toda a sua transformação que ele sofre com o passar de toda a trama, uma transformação como mulher, como policial, como ser humano, até pelos seus traumas do passado em ter sido uma criança órfã. Pois ela foi de uma simples estudante e aprendiz do FBI a se tornar a policial salvadora da filha da governadora, ainda contando em ela ser uma mulher e estar trabalhando praticamente sozinha em um ambiente majoritariamente masculino e preconceituoso. Sem dúvidas uma grande narrativa da representatividade e do empoderamento feminino nos anos 90, e em uma época em que esse quesito não estava tão aflorado como hoje.
Jodie Foster está no papel da sua vida, está no auge da sua beleza (pois de fato ela estava lindíssima no filme), sem dúvidas em "O Silêncio dos Inocentes" ela nos apresenta uma personagem icônica, uma atuação primorosa, simplesmente o melhor trabalho de toda a sua carreira cinematográfica, que foi dignamente bem reconhecido e coroado com o Oscar de Melhor Atriz.
Anthony Hopkins é um dos melhores atores de todos os tempos, isso é inquestionável, tanto que ao longo de sua vida ela já nos trouxe personagens e trabalhos memoráveis, mas eu tenho certeza que o Dr. Hannibal Lecter é o seu personagem mais icônico de toda a sua carreira. Elogiar todo o trabalho de interpretação e atuação do mestre Hopkins em O Silêncio dos Inocentes" é simplesmente chover no molhado. Pra mim é uma das melhores atuações de toda a sua vida, pois o próprio descreveu sua voz como Hannibal Lecter como uma mistura de Truman Capote e Katharine Hepburn. Oscar mais do que merecido!
Ted Levine também marcou toda uma geração como o seu também icônico Jame "Buffalo Bill" Gumb. Um personagem clássico, histórico, que assim como o Lecter e a Clarice também ficou reconhecido como os três personagens do filme que se tornaram verdadeiros ícones da Cultura Pop.
"O Silêncio dos Inocentes" é aquela obra perfeita, pois tudo no filme foi entregue com perfeição. Jonathan Demme dirige o melhor trabalho da sua vida e aqui isso está muito explícito, como no caso dos seus focos de câmeras bem próximo ao rosto dos personagens, nos deixando incomodado com a cena entre o Hannibal e a Clarice (outro Oscar mais do que merecido). A trilha sonora de Howard Shore é estupidamente perfeita, pois era uma trilha penetrante, contundente, densa, que estava presente em 100% das cenas, sempre se destacando e ditando o ritmo de cada acontecimento - nunca vi uma composição de trilha sonora tão perfeita quanto esta. A fotografia é outro deleite, completamente perfeita, maravilhosa, bem trabalhada. A direção de arte é esplendorosa, triunfante, caprichada, esteticamente corretíssima. Assim como a montagem, edição, ambientação, tudo foi feito com os mais minuciosos detalhes e cuidados que esta grande obra merece.
"O Silêncio dos Inocentes" foi aclamado pelos críticos, diretores de cinema e pelo público como um dos maiores e mais influentes filmes de todos os tempos. O American Film Institute classificou-o como o quinto maior e mais influente filme de suspense da história, enquanto Clarice Starling e Hannibal Lecter foram classificados entre as maiores heroínas e vilões do cinema. Rendeu nos cinemas uma continuação inferior, "Hannibal" (2001), e dois prelúdios – "Dragão Vermelho" (2002) e "Hannibal: A Origem do Mal" (2007), este último, sem Anthony Hopkins. Jodie Foster decidiu não participar desta sequência por não concordar com os rumos tomados por sua personagem. O Longa foi o terceiro filme na história a receber os 5 principais Oscars (Melhor Filme, Direção, Roteiro, Ator e Atriz). Os demais foram "Aconteceu Naquela Noite" (1934) e "Um Estranho no Ninho" (1975). E até hoje este feito jamais se repetiu.
"O Silêncio dos Inocentes" é um verdadeiro clássico, ícone dos anos 90, que nos apresentou o Dr. Hannibal Lecter como o psicopata, o serial killer mais famoso e cultuado da história dos cinemas.
"O Silêncio dos Inocentes" é aquele filme atemporal, anacrônico, uma verdadeira aula de cinema. Uma obra brilhante, perspicaz, grandiosa, relevante e completamente influente para todos os filmes subsequentes. Ditou e moldou toda uma década, toda uma geração, nos entregando uma obra que possui um roteiro monumental e inteligentíssimo, com atuações marcantes e históricas, com qualidades técnicas absurdas e fantásticas.
O campeão do Oscar de Melhor Filme em 1992. Uma pérola cinematográfica da década de ouro dos anos 90. Uma verdadeira obra-prima da sétima arte. Uma verdadeira obra de arte dos cinemas. Uma aula cinematográfica icônica. Um conto. Uma passagem. Uma realização. Praticamente uma inspiração Bíblica de tamanha perfeição que os meus olhos cinéfilos teve o prazer de assistir. [26/06/2022]