O medo do desconhecido
por Bruno Carmelo1979. O cinema de ficção científica estava no ápice da exploração sobre os perigos da alteridade (Contatos Imediatos do Terceiro Grau, Os Invasores de Corpos), enquanto o blockbuster dava os seus primeiros passos com Tubarão, quatro anos mais cedo. Talvez as novas gerações ignorem que nessa época os filmes não eram concebidos na intenção de se tornarem franquias, e atrizes até então desconhecidas (Sigourney Weaver) eram facilmente escaladas para uma produção deste porte. Histórias originais dominavam um mercado anterior à padronização dos reboots, prequels e spin-offs. Em outras palavras, tínhamos um cinema acostumado a correr riscos.
Por isso mesmo, Alien, o 8º Passageiro efetuou escolhas narrativas e cinematográficas que dificilmente aconteceriam na produção do século XXI. Mais interessante do que analisar o filme de Ridley Scott como obra-prima seria pensar nele como produto de sua época. O roteiro permite que grande parte da introdução se passe sem que o espectador descubra qual tripulante da nave Nostromo é o verdadeiro protagonista. O alienígena em si surge após uma hora de duração, e mesmo assim, nunca o vemos de perto. A escolha de ocultar o extraterrestre pode ocorrer por um fator puramente prático – hoje, sabe-se que Scott tinha medo de revelar de perto as imperfeições da criatura, devido aos efeitos especiais pouco desenvolvidos.
Mesmo assim, esta decisão produz um impacto notável: ao trabalhar com a sugestão de um invasor, apresentando apenas a sua cauda ou partes da sua cabeça no escuro, o filme apela diretamente à inteligência do espectador, possibilitando que ele construa sua própria imagem mental do personagem. Este é o elemento que Alien, o 8º Passageiro compreende tão bem: a imaginação humana é muito mais assustadora do que qualquer monstro criado pelo cinema. Ironia do destino: em 2014, quando Godzilla decidiu apresentar o lagarto gigante apenas na segunda metade da história, a escolha foi considerada ousada e inovadora. Quem diria.
Melhor ainda é perceber a evolução no retrato frequentemente perverso dos seres extraterrestres. O alienígena que perturba a tenente Ripley se assemelha a um animal selvagem, incontrolável, mas de modo algum consciente de seus atos ou munido por algum ódio particular à raça humana. Se existe um vilão no projeto, ele é o androide Ash (Ian Holm), enviado pela gananciosa corporação que financia a viagem espacial. O suposto especialista médico prefere preservar o extraterrestre a salvar a tripulação, devido ao valor comercial representado pelo invasor. Desde a primeira cena, quando os viajantes se queixam dos salários atrasados e má condição de trabalho, Scott sublinha o teor político da narrativa. O fracasso da Nostromo ocorre graças à ganância dos empresários e seu desprezo pelos funcionários.
É preciso destacar o belo retrato de gêneros através de uma mulher forte, determinada, não definida por seu aspecto materno ou sedutor (algo que o filme seguinte, Aliens, o Resgate, destruiria por completo), em oposição à figura de homens fracos, desorganizados e simbolicamente estuprados pelo invasor – vide a famosa cena do face hugger. Talvez alguns elementos tenham envelhecido mais do que outros, a exemplo da representação onipotente da tecnologia, herdeira da tirania de Hal 9000 em 2001 – Uma Odisseia no Espaço, uma dezena de anos mais cedo.
Mesmo assim, Alien, o 8º Passageiro tornou-se uma referência para o cinema contemporâneo, menos por seus temas espaciais do que pela maneira de instigar o espectador com sugestões ao invés de imagens explícitas. Além disso, criou um dos melhores slogans da história do cinema: “No espaço, ninguém pode ouvir você gritar”, sintetizando com perfeição a mistura entre terror e ficção científica, além de sugerir uma aterrorizante ideia de solidão, abandono e impotência.