Hoje, depois de passado tanto tempo do lançamento de O Diabo Veste Prada podemos analisar o porquê de ele ter feito tanto sucesso, até posterior ao seu real lançamento, e o motivo dele ter virado um verdadeiro clássico cult. A verdade é que ele, apesar de parecer, não é um simples filme sobre as futilidades do mundo da moda. Eu diria que é o principal filme até hoje sobre o mundo da moda. E não só por causa da história de Andy e Miranda que se cruzam de forma tão oposta pra no final as semelhanças virem à tona, mas principalmente por causa do bom desenvolvimento de roteiro. Todas os principais rumos e direções que um roteirista tem que assumir ao adaptar um livro foram seguidos aqui por Aline Brosh McKenna.
Falando isso não digo apenas de história, mas também de estrutura. Tudo acontece aqui por uma razão. Por exemplo, o namoro de Andy e Nate vai se deteriorando com o tempo: das cenas iniciais quando Andy ainda era uma garota simples que se veste mal, até o final da relação deles, podemos ver, aos poucos, a forma com que Andy vai se desligando realmente de Nate. O que nos leva à transformação da protagonista, que é onde o filme se cria. A partir do momento em que Andy começa a mudar seu vestuário pra se adequar ao seu ambiente de trabalho, sua mudança de personalidade se inicia. (em certo momento, Emily diz: "You sold your soul to the devil when you put on your first pair of Jimmy Choo's, I saw it.").
É tudo concebido de tal forma que torna-se necessário, por mais inoportuno que possa parecer, que Andy largue Miranda naquele ponto crucial no desfecho do filme. Os diálogos, sempre sensacionais, revelam para a própria personagem que o lado humano de Miranda, que ela havia se apegado até então, não existe. E ao se chocar com a própria realidade impiedosa, a de ter feito com Emily o mesmo que sua chefe fez com Niguel, vê que está realmente se transformando no que tanto rechaçava inicialmente. E prova pra Miranda que ela mesma não é, de jeito algum, parecida com a editora-chefe da Runway. Construir a história de tal forma para que culminasse naquele momento, então, torna-se o grande trunfo, e o motivo porque o filme cresceu tanto no "boca-a-boca", perdurando até hoje.
Mas não só Andy é personagem principal, pois não haveria a trajetória não fosse Miranda. Brilhantemente atuada por Meryl Streep, num dos melhores momentos de sua carreira, inclusive carregando a personagem com expressões e trejeitos que até então a, já veterana, atriz não havia mostrado. Miranda, que vê como objetivo de vida o reconhecimento que conseguiu no mercado, por outro lado não se dá bem em sua vida pessoal. Pode soar clichê, mas um clichê bem trabalhado nunca fica ruim. E é o que acontece aqui, até porque a megera é impassível até em seus pontos fracos. Ao fazer o que fez com Nigel, pra proteger o próprio pescoço, podemos perceber que realmente o filme estava preparando o espectador pra chegar àquele momento, desde que a chefe testa a assistente, fazendo-a escolher entre ir a Paris ou perder todas as chances de ter uma carreira promissora. A diferença aqui, mora no fato de que para Andy, ela não tinha escolha. Já para Miranda, essa é apenas mais uma das escolhas que se tem que fazer no meio empresarial.
E Andy fica sem palavras porque percebe que Miranda está certa.
Assim, quando Andy decide que não quer ser obrigada a fazer essas escolhas, coloca em cheque sua própria conduta. E ao final as palavras de Miranda são de livre interpretação. Andy foi a maior decepção que ela já teve, porque ali realmente não era o seu lugar. O sorriso da ms. Priestly representa, então, uma aprovação. Não pelo que Andy fez, mas pelo que ela poderia fazer. Ou melhor, o que a garota era ou seria capaz de fazer. No fim, Andy havia feito algo certo e marcado, de alguma forma bem diferente das demais, aquela mulher tão impassível e sem amigos.