O grande mérito do roteiro de Lucia Murat e Paulo Lins foi o de ter dado uma aula de sociologia, abordando a relação entre a classe média branca e os negros favelados, sem ser chato em momento algum. São três os momentos históricos em que essa relação é mostrada: nos anos 50, quando um jovem branco sobe o morro para acompanhar o maior sambista da época (interpretado por Luis Melodia); nos anos da ditadura militar, em que Miguel (Caco Ciocler), preso político, e, Jorginho (Flavio Bauraqui), preso "comum", estão encarcerados no cárcere de Ilha Grande (RJ); nos tempos atuais, em que os mesmos Miguel (agora um senador da república, muito semelhante ao José Dirceu, diga-se de passagem) e Jorginho (agora o chefe do tráfico de drogas da sua comunidade) conversam sobre a possibilidade de implantação de um centro cultural no morro onde o domínio do segundo é total. A maior parte da narrativa está centrada no segundo período, ou seja, quando Miguel e Jorginho conviveram na Ilha Grande. Miguel, o intelectual revolucionário, queria unir as massas e fazer a revolução. Todos que já foram adolescentes já passaram por esses momentos de "obnubilação mental". É totalmente perdoável. O duro é quando esse mesmo ideário político permanece após os 20 anos de idade. Jorginho, por sua vez, tinha a sagacidade daqueles que vivem nas ruas, têm de pensar em saídas rápidas para as situações de emergência que ocorrem diariamente. Resumindo: Miguel é o teórico; Jorginho é o prático. Os momentos mais engraçados do filme são aqueles em que os presos políticos querem implantar um regime socialista no cárcere. Enquanto eles são a maioria até que a coisa parece funcionar. Porém, quando os presos comuns passam a ser majoritários, a ideologia pseudo-marxista mostra ser de araque: o modus vivendi da malandragem é o que acaba vencendo nesta luta darwinista de sobrevivência dos mais forte. Um aspecto interessante é quando a diretora Lucia Murat demonstra a admiração que parte da juventude de classe média nutre pelos chefes do tráfico de drogas das favelas, isto é exemplificado quando a neta do senador Miguel, Juliana (Maria Flor) sobe o morro para freqüentar os bailes funk e para transar com Deley (Renato Souza), um dos chefes do narcotráfico. O painel sociológico criado por Lucia Murat é pungente, é uma porrada no estômago. Como qualquer avaliação abrangente é passível de críticas. No entanto, os seus acertos são muito, muito maiores.