Shakespeare revisitado
por Francisco RussoO sucesso da obra de um autor por vezes faz com que seus trabalhos ganhem versões alternativas, que explorem a mesma história com variantes diferentes. William Shakespeare é um dos maiores alvos destas transgressões. Peças como Hamlet, Macbeth, A Megera Domada e Othello já ganharam tanto versões tradicionais quanto outras modernas, com seus personagens ambientados nos dias atuais. O mesmo acontece com Romeu e Julieta, seu trabalho mais popular. Gnomeu e Julieta é mais uma releitura da velha história do amor impossível, só que agora com um olhar para o público infantil.
A opção pode assustar de início, pelo temor da infantilização excessiva. Apesar de toda a trama passar por uma reformulação de forma a cativar os pequenos, com personagens simpáticos e muitas cores, a essência não foi perdida. A velha disputa entre os Capuleto e os Montéquio agora existe em pleno jardim, dividido por uma cerca. Os anões de cerâmica dispostos em ambos os lados encarnam a rivalidade existente entre os moradores das casas e duelam, cada um a seu modo, em corridas com aparadores de grama. Motivo suficiente para trazer à história cenas de ação, essenciais para manter a atenção do público infantil.
É claro que o filme facilita a leitura dos personagens, tornando carrancudos os malvados e sorridentes os bondosos. Basta olhar e, sem ouvir uma palavra sequer, saber quem é quem apenas pelo visual. Natural, já que trata-se de um filme visando as crianças. Assim como a presença de coadjuvantes de extremos, como a sapa Nanette e o flamingo Penaldinho, cujas atitudes exageradas geram momentos divertidos. Todos estes fatores compõem o ambiente lúdico necessário para contar esta versão da história de amor entre os ícones das famílias rivais que, por acaso, se encontram e se apaixonam.
A grande dúvida que surge, logo de início, é como se dará o desenlace da história, nem um pouco infantil na versão escrita por Shakespeare. Para resolver a questão quem surge é o próprio autor, em uma participação pitoresca e engraçada, fazendo graça com sua fama e também a de sua peça teatral. É o cinema brincando com a própria arte, de forma a encontrar uma saída agradável diante do objetivo do filme.
Gnomeu e Julieta é um filme que surpreende, pela leveza na condução na história e pelos coadjuvantes que, em vários momentos, roubam a cena. Tudo no embalo de uma trilha sonora baseada em Elton John, um dos produtores, que é também personificado em cena. Destaque também para o som de cerâmica, presente sempre que os anões se tocam ou têm movimentos bruscos. Um detalhe minucioso que dá um charme extra.