O pós segunda guerra mundial não foi um período tão tranquilo para o povo americano. Com a aplicação do Plano Marshall e as duas potências mundiais dividindo a Alemanha ao meio, teve início o embate ideológico mais importante da modernidade. Na Guerra Fria, o que imperou durante longos anos foi o clima de instabilidade política externa e interna que tomou conta de diversos países, incluindo os Estados Unidos, como podemos ver no filme “Boa Noite e Boa Sorte”, dirigido, produzido e estrelado por George Clooney.
No fim da década de 40 e meados da década de 50, os Estados Unidos viveram um período de forte repressão política chamado macartismo, onde o desrespeito aos direitos civis se tornou a principal arma do senador Joseph McCarthy para lutar contra a ameaça comunista, que pairava sobre a cabeça da política norte-americana.
O filme retrata a luta do jornalista Edward Murrow, da rede de televisão CBS, contra as atrocidades éticas cometidas por McCarthy em nome da proteção da integridade do sistema político e econômico do Estado americano. Murrow, interpretado por David Strathaim, é até hoje considerado como o principal opositor do senador. Foram suas denúncias que levaram McCarthy a sofrer uma moção pública e acabar perdendo prestígio dentro do Senado.
Para efeito de imersão do espectador e ambientação da época, Clooney e o diretor de fotografia, Robert Elswit, optaram por filmar em preto e branco, revelando um interesse autêntico pelo lado artístico da obra, já que tal estética não tem tanto apelo com o grande público. Ainda, por optar pela filmagem em preto e branco, puderam utilizar filmagens reais dos discursos de Joseph McCarthy, o que concedeu ao longa muito mais autenticidade.
Aliás, é provável que a estética tenha importância e significado ainda maiores no que diz respeito ao que é proposto durante o longa. Ao homenagear a estética Noir, com o alto contraste, as luzes e os protagonistas, Clooney faz uma referência direta à situação da sociedade americana durante o macartismo. O jornalista Murrow é, nesse contexto, a personificação da justiça sempre presente nos filmes Noir, com seu espírito implacável e personalidade moralmente ambígua - exposta quando ele nega ajuda ao amigo e companheiro de emissora. Além do jornalista; a utilização de cenários noturnos, os cigarros, a corrupção de McCarthy, a alienação da sociedade - demonstrada na cena em que o diretor da CBS se refere à audiência como perseguidora do entretenimento frívolo - e até a presença da figura da Femme fatale, representada por Shirley Wershba, reforçam as características Noir desse filme.
Fazendo isso, Clooney reafirma a estética como símbolo. Utilizando-a não só para dar ao filme uma atmosfera densa, de total imersão, mas também para representar a dualidade do Noir como ficção e realidade política e social americana da época.