V de Vingança é um manifesto Pop, uma reunião de eventos incendiários com os quais temos convivido em nossas vidas reais desde tempos imemoriais. Um turbilhão de influências históricas, com "o dedo" crítico apontado para regimes opressores, e o desejo libertário que eles provocam nos menos favorecidos. Aos fatos reais “homenageados” pelo longa, somam-se os alertas distópicos proporcionados pela ficção científica, gênero literário que viu surgir, em 1949, a icônica obra 1984, escrita pelo visionário George Orwell. Desde então, inúmeras histórias, nas mais diversas mídias, tem bebido dessa riquíssima fonte, em que a vigilância imposta pelo Governo, as suas represálias à rebeldia da classe operária e a consequente revolta dos oprimidos se misturam, culminado em verdadeiras óperas ideológicas e revolucionárias, das quais V de Vingança é um belíssimo expoente. A despeito de sua embalagem juvenil, o filme surpreende pelo recheio, uma exuberante orquestra explosiva de críticas sociais.
Escrito pelos diretores da saga Matrix, Andy e Larry (hoje Lana) Wachowski, com base em uma HQ concebida em 1982 pelo contundente Alan Moore, o tecnicamente muito bem produzido e altamente estilizado longa que marca a estreia na direção de James McTeigue (que foi assistente de direção na famosa trilogia acima citada) nos apresenta, com uma acidez adequada, a um Reino (des) Unido, governado, em um futuro muito próximo, pelo tirano Alto Chanceler Adam Sutler, vivido com acertada austeridade por John Hurt. Seu discurso, sua postura, o logotipo e as cores de seu partido não negam a inspiração "Hitleriana". Referências explícitas ao holocausto nazista também são notórias quando vemos as experiências pelas quais as pessoas "diferentes" são submetidas, devido a comportamento e ideias subversivas que contradizem o regime ditador. Um dos sobreviventes desse holocausto é o anti-herói idealista que protagoniza a história, e que passa a se autodenominar apenas por "V".
É praticamente impossível, nos dias de hoje, em nossa vida real, nunca ter visto por aí a tão famosa máscara que esconde o rosto deformado por queimaduras do ativista revolucionário do longa. As feições caricatas da máscara são baseadas no personagem (real) Guy Fawkes, um soldado católico inglês que, em 05 de Novembro de 1605, liderou um levante que tentou explodir o Parlamento Inglês como forma de oposição ao regime do rei protestante da época. Ele acabou sendo capturado e enforcado. A data, porém, ficou como lembrança do atentado, ou melhor, da tentativa. E este é o dia escolhido, no filme, por "V" para concluir o feito idealizado séculos atrás. Apesar de o contexto religioso ter sido amenizado no roteiro, o filme encontra espaço para uma breve, porém direta, citação a casos de pedofilia envolvendo a Igreja, mais um entre tantos pesadelos da vida real.
A influência que "V" exerce sobre o povo ao longo da projeção, convidando-os a participarem de sua "explosão sinfônica" com data marcada, encontra ecos em diversas manifestações ao redor do globo, cujos exemplos mais recentes podem ser encontrados no Oriente Médio, na América Latina e nas fronteiras ocidentais da Rússia. A ditadura militar que o Brasil viveu a partir de 1964 (e perdurou por 20 anos) também encontra paralelos na atmosfera repressora vista no longa. O roteiro reserva lugar ainda para ilustrar a manipulação da mídia que induz o povo a acreditar na “sua verdade”. No filme, a TV é monopolizada pelo Estado... e na vida real? O medo, e a perca dele diante da tortura, é outra contundente alegoria vista na história. Em duas cenas, notamos que "a esperança venceu o medo", seja em meio às chamas ou sob a chuva. É essa coragem que impulsiona as atitudes finais de Evey (Natalie Portman, bela e talentosa como sempre), funcionária da TV estatal que conhece "V" e se envolve de tal forma com sua causa que se torna peça fundamental do jogo de dominó perpetrado pelo agitador fantasiado, que acredita na sobrevivência de seus ideais enquanto ao menos uma "pedra" permanecer de pé.
SPOLIER:
Por fim, o fato de o público não ver em nenhum momento o rosto de "V" (interpretado por Hugo Weaving), encontra explicação justamente na sua causa libertária. Ele pode ser eu, você, ele, ela, ou até mesmo aquele personagem que já morreu mas permanece vivo na memória de seus entes queridos... A explosão do Parlamento Britânico nada mais é do que um enorme grito metafórico de liberdade ante todo tipo de opressão, seja política, econômica, social, racial, sexual ou ideológica. "V" é a mais (in)sensata representação do povo que almeja um futuro melhor, e luta por ele.[spoiler]
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