Uma releitura
por Francisco RussoRever um filme sempre gera descobertas. O conhecimento prévio da história permite um olhar mais apurado aos detalhes, fazendo saltar aos olhos informações que, de início, passaram despercebidas. A experiência do espectador por vezes é essencial, de forma que apenas com a vivência é possível entender melhor certas sensações. Da mesma forma, a passagem de tempo pode ser crucial, taxando um filme como datado de forma inapelável. Por tudo isto, rever Titanic 15 anos após seu lançamento é uma experiência e tanto. De viagem no tempo, especialmente para quem pôde assisti-lo em 1998, de análise sobre a carreira dos envolvidos após o sucesso e, principalmente, sobre o impacto desta história de amor em meio a um típico filme catástrofe.
Para compreender o porquê de Titanic é necessário voltar um pouco no tempo, para a década de 90. Período em que os filmes catástrofes voltaram à moda em Hollywood, tendo em Roland Emmerich (Independence Day, Godzilla) seu ícone maior. Com os estúdios dispostos a investir pesado em efeitos especiais elaborados, a fórmula do gênero apontava para um elenco formado por atores em ascensão ou de segundo escalão. Leonardo DiCaprio e Kate Winslet se enquadravam nesta categoria. Ambos já tinham indicações ao Oscar – ele por Gilbert Grape - Aprendiz de um Sonhador, ela por Razão & Sensibilidade -, eram belos, jovens e com salário inferior aos das grandes estrelas da época. Escolhas precisas, tanto pelo lado artístico quanto pelo financeiro. No comando da dupla estava James Cameron, já consagrado pela série O Exterminador do Futuro, na época com apenas dois filmes. Foi ele o grande pulo do gato da produção.
Extremamente perfeccionista, Cameron criou um monstro. Gastou tanto para recriar com exatidão o Titanic que o filme ficou mais caro que o próprio navio. Estourou prazos de produção, brigou com o estúdio para que o filme tivesse as inacreditáveis 3 horas e 14 minutos de duração, foi o responsável pelo longa-metragem mais caro já feito até então. Antes do lançamento, poucos acreditavam no sucesso. No máximo seria possível amenizar o prejuízo. As bilheterias mostraram o contrário. Por que?
Vários foram os fatores e estes são ainda mais nítidos após 15 anos. O primeiro, e inegável, é a qualidade técnica empregada. Quase duas décadas depois, Titanic ainda impressiona pelo espetacular trabalho na cenografia e direção de arte. Seja na recriação do verdadeiro Titanic ou quando o navio enfim naufraga, a riqueza e o requinte dos detalhes chamam a atenção. A complexidade do naufrágio, exibido quase em tempo real em relação ao evento verídico, demonstra não apenas a excelência técnica mas também a habilidade de James Cameron, no sentido de cobrir cada passo da tragédia com uma história envolvente. Para tanto, o também roteirista foi beber de uma fonte vinda de quatro séculos antes: Romeu e Julieta.
A essência do romance entre Jack Dawson e Rose DeWitt Bukater nada mais é do que uma versão moderna do amor proibido entre Romeu e Julieta. Ele, um pobretão inveterado, ela, vinda da realeza e com casamento marcado. As diferenças de classes deveriam mantê-los afastados, mas o amor falou mais alto. Trata-se da mesma situação vivida pelos personagens criados por William Shakespeare, com a diferença de que o impedimento era a briga entre famílias rivais. Foi a partir desta clássica história envolvente que Cameron desenvolveu uma trama própria que se passa em pleno Titanic, antes do naufrágio. É importante notar que a aproximação e a paixão entre Jack e Rose acontecem antes da esperada colisão com o iceberg; depois eles apenas lutam pela própria vida juntos. Com direito a final trágico, assim como ensinou o mestre.
Entretanto, não é apenas o uso da fórmula a causa do sucesso do romance de Titanic. Leonardo DiCaprio e Kate Winslet são peças fundamentais nesta engrenagem, ambos com desempenhos que já indicavam os atores que se tornariam. Ela especialmente, já que sua personagem requer nuances mais sutis. Seja ao demonstrar o desespero sentido pelo vazio interior que carrega ou nos olhares de entrega absoluta à paixão, Kate Winslet brilha. Assim como Gloria Stuart, que também reflete no olhar a saudade de um grande amor perdido.
Titanic é um grande filme que merece ser revisto, sempre que possível, em tela grande. A adição do 3D segue o perfeccionismo conhecido de James Cameron, com várias cenas explorando bem a sensação de profundidade mas sem proporcionar a sensação de imersão ao que está na tela, como tão bem fizeram Avatar e A Invenção de Hugo Cabret. Pura limitação técnica de um filme que foi feito, é preciso lembrar, 15 anos atrás e, após tanto tempo, segue mantendo a magia e o impacto da época de seu lançamento.