Ontem à noite (04/12/2018) juntamos as 3 salas da EJA de nossa escola, a EMEF Oziel Alves Pereira, e realizamos a apresentação, seguida de discussão, do filme “O Tigre e a Neve” (Itália, Roberto Benigni, 2004).
O filme foi providenciado pelo professor Fernando, de Geografia, e contou com a participação da professora Fabrícia de língua portuguesa, para organizar o debate.
Exercício de metalinguagem, o filme trabalha as questões inerentes ao próprio fazer e linguagem fílmica, à literatura (especialmente a poesia) e a vida.
De tudo, ao meu amor serei atento
Antes, e com tal zelo, e sempre, e tanto
Que mesmo em face do maior encanto
Dele se encante mais meu pensamento.
(Vinicius de Morais)
Attilio de Giovanni é um poeta e professor de Literatura que sempre sonha com a mesma mulher: Vittoria.
O que é o sonho? É a antecipação ou o prenúncio de algo? É um augúrio? É uma metáfora da vida?
Várias vezes ao longo do filme vemos uma cena de casamento surreal, em que um padre ortodoxo conduz o serviço em uma ruína romana. Os convidados estão sentados, há decoração de flores e Vittoria, vestida de noiva, é a única que faz os votos, um poema de Attilio! Este, vestido de maneira informal, é importunado por um guarda, que adentra o recinto e manda que ele tire o carro do local onde está estacionado.
A cena tem modulações, nas várias vezes em que é repetida, como por exemplo quando Vittoria é substituída por um canguru falante, dando ares de fábula.
Quero vivê-lo em cada vão momento
E em louvor hei de espalhar meu canto
E rir meu riso e derramar meu pranto
Ao seu pesar ou seu contentamento.
(Vinicius de Morais)
Quando Attilio vai assistir a palestra de seu amigo Fuad, também poeta, ele encontra Vittoria.
Ela está escrevendo um livro sobre Fuad e acaba por viajar para o Iraque, sua terra natal, para fazer pesquisas. Lá, sofre um grave acidente e fica internada no país, exatamente quando está sendo invadido por soldados norte-americanos.
Attilio entra numa verdadeira missão para ficar ao lado da mulher pela qual está apaixonado e tentar realizar a cura da mesma, numa situação em que seria quase impossível, já que não há medicamentos na cidade sitiada e ela está desenganada pelos médicos.
É sobre este trecho que a discussão na escola foi mais rica e interessante, pois todos parecem já ter vivido situações aflitivas, de quase perda, associadas às pessoas que amam.
Acabei por colocar que hoje, aos 53 anos, tenho convicção de que AMOR é, por definição, INCONDICONAL e NÃO ACABA.
É Attilio exatamente quem diz aos seus alunos que se quiserem escrever sobre o amor devem esperar os 80 anos! Acredito que seja porque os jovens, em sua inexperiência e imaturidade, confundem atração sexual ou desejo com amor, o que acaba por fornecer a componente volátil das suas paixões, que se sucedem.
Sobre Bagdá, mesmo sabendo que as cenas e tomadas foram filmadas na Tunísia, há de se realçar o extremo respeito e delicadeza do cineasta para com a cultura muçulmana.
Attilio acompanha Fuad e o restante da população que caminha até a mesquita, mas não ousa desrespeitá-la: não entra.
As mil e uma noites são citadas e, para nós brasileiros, que lemos Malba Tahan, há uma alusão direta ao Céu de Allah, onde o festival de luzes é proporcionado não pelas estrelas cadentes, mas pelos mísseis dos estadunidenses.
E assim, quando mais tarde me procure
Quem sabe a morte, angústia de quem vive
Quem sabe a solidão, fim de quem ama
(Vinicius de Morais)
Após a verdadeira epopéia, que culmina com a prisão e deportação de Attilio, este volta para casa. Acaba encontrando Vittoria já recuperada mas, mesmo assim, não ficam juntos. Por que? A dica nos é dada pelo próprio filme, já que Attilio acaba por derrubar a gaiola com o casal de pássaros, que lhe havia sido ofertada por uma das filhas.
Foi ele quem contou a filha, para explicar o gosto e o fazer da poesia, que certa vez um pássaro havia pousado nos seus ombros e ido embora.
Eu: Fabrícia, dá para ensinar a fazer poesia?
Fabrícia: Dá para ensinar o fazer e a técnica.
Eu: posso lhe passar as minhas receitas e você pode até segui-las ao pé da letra...Nada garante, porém, que os pratos que você preparar terão o sabor dos que eu preparo!
Attilio não diz uma única palavra a Vittoria sobre a sua sina, o verdadeiro milagre que ele operou no sentido de salva-la.
Segundo o médico iraquiano, os milagres, às vezes, ainda acontecem por lá...
Amor só dura em liberdade!
Eu possa me dizer do amor (que tive):
Que não seja imortal, posto que é chama
Mas que seja infinito enquanto dure.
(Vinicius de Morais)
Mas a boa ação de Attilio não ficou anônima.
Ao se despedir, ele se inclina e dá um beijo casto na testa de Vittoria, exatamente como ele fez dezenas de vezes em Bagdá, e o filme mostrou para fixar a nossa atenção.
O beijo é o “estalo” na sua memória, que é reforçado quando ela vê a sua corrente de ouro, com a aliança, que ele agora traz no pescoço. Um ladrão iraquiano tentara roubá-la, ainda no hospital, e Attilio acabou por pendurá-la no próprio pescoço.
Corrente de ouro com aliança, símbolos de amor e fidelidade...