Um filme opaco
por Bruno CarmeloO título deste filme pode ser enganoso. As Consequências do Amor não é propriamente um romance – nem é exatamente um drama, ou mesmo um suspense. Para bem ou para o mal, este é um projeto estranhíssimo, de difícil definição, nos quais as transformações microscópicas na vida do protagonista Titta Di Girolamo (Toni Servillo) passam quase despercebidas na narrativa. Se existe amor nesta história, ele não é mais importante que os outros gêneros, nem mais importante que os cenários e objetos da história.
Trata-se de um filme de ambientação, no qual o diretor Paolo Sorrentino troca as explicações pelo poder da sugestão. Titta mora há anos num hotel, mas o espectador ignora as razões desta escolha. Ele não conversa com ninguém ao redor, mantendo uma rotina de repetições, por motivos que o público também desconhece. Ele carrega malas repletas de dinheiro, mas o roteiro não explica a origem nem o destino desta quantia. A família ignora a presença de Titta, sem que saibamos o porquê. Até o momento em que o personagem simplesmente explica todas essas questões, em poucos minutos, à garçonete Sofia (Olivia Magnani), com uma clareza exemplar.
Por que esconder tantos elementos, se a revelação é estruturada como uma cena banal? Por que investir no suspense durante cerca de 80 minutos, se a descoberta não transforma os rumos da narrativa? As escolhas do diretor são singulares, e tamanha estranheza parece constituir o objetivo principal do filme. A música é lânguida e sugestiva, uma mulher bela passa sempre pelo corredor, mafiosos infiltram-se no quarto. Sugere-se a irrupção de uma crise o tempo inteiro, mas nenhuma ação se desenvolve. As Consequências do Amor é um projeto bem-sucedido na manipulação de sensações e expectativas, mas a recompensa oferecida ao jogo não necessariamente compensa a jornada.
Embora só chegue aos cinemas brasileiros em 2016, este é um filme de 2004, muito antes de Sorrentino conquistar a fama internacional com A Grande Beleza e A Juventude. O estilo rococó das produções mais recentes ainda não tinha sido lapidado doze anos atrás, mas o cineasta italiano já demonstrava um prazer imenso em deslizar a sua câmera, colando-a ao rosto e ao corpo dos personagens, às curvas de cada objeto em cena. Ele desenvolve uma sensualidade publicitária: quando sua imagem contorna as formas de um carro de luxo e os detalhes de uma mala de viagem, falta apenas a marca dos produtos surgir na tela para obtermos um spot de marketing.
Toda a estética é construída em torna da ideia de sedução, mesmo que não se saiba exatamente o que fazer com os olhares cativos pela imagem. A mecânica de Titta, que atrai e repele pessoas com a mesma inocuidade, lembra o funcionamento do próprio filme. Este é um circuito desejante que não pretende se esgotar. Mesmo assim, é preciso louvar o magnetismo obtido através da montagem precisa e da atuação afinada de Toni Servillo, um verdadeiro “homem que não estava lá”. Ele protagoniza a viagem de heroína mais minimalista e langorosa que o cinema já viu.
Sem surpresa, a cena final é tão bela quanto desconectada do resto da trama. Isso é um sintoma de toda a produção: o filme só poderia fechar sua história apontando para mais uma saída, para uma nova pista de leitura, ou seja, para mais uma possibilidade de desejo - uma continuação do jogo. Sorrentino nos promete sangue, sexo e segredos obscuros, e depois se alimenta do prazer sádico e perfeitamente calculado da frustração.