Eu (e acho que milhares e milhares de outros espectadores) definiria como: um filme difícil.
Importante, mas difícil. Não à toa faz parte do que Mark Cousins (no livro História do Cinema) chama de "claustrofobia cinematográfica", referenciando também Hitchcock e Polanski.
E acho que desde a sua criação foi pensado para sê-lo. Não, essa não foi uma tentativa de fazer um trocadilho pobre com o título do filme. Parece que o nome "O Sétimo Selo" faz referência ao livro bíblico Apocalipse, segundo o qual "na mão de Deus há um livro selado com sete selos e a abertura de cada um destes selos implica num (sic) malefício sobre a humanidade, mas a abertura do sétimo é o que leva efetivamente ao fim dos tempos". Achei essa explicação na Wikipédia, e realmente existe uma referência ao Apocalipse no filme.
Logo no início de O Sétimo Selo, uma citação do Livro do Apocalipse é dita para simbolizar a ameaça de uma guerra nuclear. A citação, que é dita com outras palavras, é a seguinte: "E havendo aberto o sétimo selo, fez-se o silêncio no céu quase por meia hora." (Apocalipse 8:1).
Seria mesmo a guerra nuclear esse sétimo selo, responsável por trazer o fim dos tempos caso acionado por algum governante um pouco mais prepotente durante o silêncio de Deus? Que Deus é esse que silencia por quase meia hora dando ensejo à atuação apocalíptica de alguém? Era essa a angústia de Bergman? Levar uma vida de um modo tal, mas sabendo que a qualquer momento tudo aquilo poderia ser destruído com a facilidade de quem abre um selo?
Isso não consegue te tirar o fôlego, te deixar claustrofobico? Sinto muito então.
Bom, continuando, um filme que tem como temas centrais a morte, os questionamentos sobre deus, a falta de fé na vida, e tudo isso concentrado em um personagem recém-chegado das Cruzadas (interpretado por Max von Sydow), que se vê em meio às misérias da Peste Negra; um filme cujas falas são extremamente abstratas, que usa amplas metáforas, cujos personagens vão do extremo da ingenuidade ao extremo de um ser vilipendiado e, portanto, sem vida no olhar, bruto no trato com as pessoas; esse não pode ser um filme fácil.
Ao contrário, é um filme lento, com muitas cenas que se arrastam no ir e vir das pessoas (pra lá e pra cá). Seja na procissão dos miseráveis da Peste Negra, que interrompe, com os auto-açoitamentos dos fiéis, a comédia pueril dos personagens artistas; seja nas andanças de Antonius Block (Sydow), que vai devagarinho pela praia e parece ter todo um tempo a perder com suas reflexões existencialistas; seja, ainda, nos intermináveis jogos de xadrez entre o cavaleiro e a Dona Morte: tudo nesse filme te leva a assisti-lo com uma paciência de Jó, dessas que nossa geração contemporânea não tem mais desde que a internet deixou de ser discada.
Ora, se nossa "geração y" não tem paciência nem pra esperar uma página carregar mais lentamente, como teríamos para descobrir os meandros da obra-prima de Bergman?
Talvez por isso ela me deixou curiosa. Talvez por isso ela seja um clássico para o cinema, mas algo tão distante dos nossos hábitos. Ela infelizmente está fora de moda.
Não queria assistir a O Sétimo Selo, e ter na minha memória apenas a Morte, que é pessoalizada no filme por meio desse cara do pôster com essa roupa escura (não sei se é preta ou marrom porque o filme é preto e branco), interpretado muito bem por Bengt Ekerot.
Assim foi que eu parei nas cenas de Antonius com uma jovem (Gunnel Lindblom) que está prestes a ser queimada, acusada de ter trazido a peste por ter dormido com o diabo. Antonius observa a jovem, conversa com ela, olha fixamente nos seus olhos, mas a resposta que ele dá, embora se esforce sinceramente pra entender aquilo tudo, é a mais racional e realista possível: "Eu não vejo nada além de terror". Não se poderia esperar outra coisa de um fidalgo desiludido que participa de um dos jogos mais racionais que se conhece: o xadrez.
Hoje a gente nem vê assim muita lógica em um filme com tantos questionamentos a respeito de valores existenciais: a morte perseguindo alguém? Questionar se deus existe ou não? Por que as coisas estão como estão?
De fato, no Brasil de hoje pouquíssimas pessoas devem pensar tão intensamente sobre isso. Mas não era assim na Europa do pós-Guerra, em que o apocalipse parecia real, em que havia temores de uma guerra nuclear adicionados a crendices comuns em um tempo não globalizado (não que nós estejamos isentos disso, mas de fato são outros tempos), tudo isso fazia com que esse filme dialogasse com aquele momento e, sobretudo, dialogasse com o período histórico retratado.
Bergman disse assim no livro de Mark Cousins: "Meus personagens riem, choram, sofrem, têm medo, falam, respondem, perguntam. Eles temem a Peste e o Juízo Final. Nossa angústia é de um tipo diferente, mas as palavras permanecem as mesmas."
Não à toa, depois desse filme, Ingmar Bergamn produziu a chamada trilogia da fé (Através de um espelho, Luz de Inverno, e O Silêncio), dando continuidade a todas essas perguntas.
Bacana também a retratação que ele faz da temática circense, quando mostra o artista como um bobalhão, um ingênuo, facilmente manipulado, como na cena em que Jof é obrigado dar cambalhotas em cima do fogo enquanto os outros personagens riem um riso cruel.
Bergman tem outro filme de temática circense. É o Noites de Circo (1953). Outro dia eu vejo.
O Sétimo Selo tem uma cena final linda. Que me marcou, pessoalmente, muito mais do que a cena clássica do jogo de xadrez, ou do que a outra cena clássica da morte levantando o braço como se fosse um morcego.
O filme termina com a Dança da Morte. É uma cena bonita em que, depois de fazer uma espécie de discurso de despedida com o casal José e Maria e outros personagens, ele, o Jof, que, de tão ingênuo, tem premonições, vê a morte carregando o Antonius e outras vítimas para um precipício. Achei bonito o modo como a dança se dá.
Para mim, ficou uma conclusão: vale a pena quebrar sua cabeça com essa obra. Existem milhares de outras coisas que podem ser observadas nesse filme, a exemplo disso: o modo meigo como é retratada a família, a relação do cavaleiro e de seu escudeiro com Dom Quixote e Sancho Pança, todos aqueles personagens, com rostos tão bem marcados, ali à meia-luz, dizendo frases curtas, geralmente muito incisivas, mas todas com significado profundo, vale a pena ir atrás de tudo isso. Você se sente meio um Antonius, indo atrás de significados pras suas angústias enquanto vive e, só então, acaba entendendo (e por que não "vivendo"?) o filme.