Ang Lee cria uma adaptação de visual incrível para uma história cheia de simbolismos
Ótimo
A Vida de Pi (The Life of Pi), de Yann Martel, é um daqueles livros que você começa a ler e é sugado para dentro da história. Cada detalhe da saga do menino Piscine Molitor "Pi" Patel é descrito nos mínimos detalhes. Há dois narradores, o próprio Pi (que explica a origem de seu nome, inspirada em uma luxuosa piscina pública francesa e o apelido que ele tanto lutou para "pegar") e um escritor, que fica sabendo da saga deste menino que se mudava de navio da Índia para o Canadá quando uma tempestade afunda a embarcação, deixando-o à deriva em um bote, com uma zebra, uma hiena, um orangotango e Richard Parker, um tigre de bengala.
Por anos, Hollywood vinha tentando adaptar a obra para as telonas. O cineasta M. Night Shyamalan, também de ascendência indiana, foi o primeiro cotado para assumir a direção, mas decidiu se afastar do projeto justamente por saber que o seu envolvimento repercutiria muito no desfecho da obra. Em seguida surgiu o nome do mexicano Alfonso Cuarón, que acabou trocando a aventura em alto mar pelo futuro apocalíptico de Filhos da Esperança. Outro que passou muito tempo trabalhando no projeto foi o francês Jean-Pierre Jeunet (O Fabuloso Destino de Amelie Poulin), que acabou abandonando o barco em 2006, depois de muitos meses de pesquisa e até mesmo uma data para iniciar as filmagens.
Coube então ao chinês Ang Lee o trabalho de criar para as telonas os cenários fantásticos descritos pelo protagonista ao curioso e incrédulo escritor. Peixes voadores e ilhas desertas servem para recarregar, de tempos em tempos, a esperança de quem está em algum ponto qualquer do Oceano Pacifico acompanhado pelo tal felino de belas listras e dentes afiados.
Quase que inteiramente rodado dentro de um estúdio, que possibilita a criação de um mar infinito e que, por inúmeras vezes, se confunde com o céu, o filme é de uma beleza ímpar. Ang Lee, que já nós fez acreditar em lutadores que voam sobre bambus e criou uma história em quadrinhos do Hulk no cinema, mostra aqui novamente a sensibilidade de quem encantou o mundo com a história de amor entre dois cowboys americanos em O Segredo de Brokeback Mountain.
A relação de Pi com Richard Parker, que envolve respeito, medo e companheirismo, não para de evoluir e é difícil imaginar como ela vai acabar. Sobre o tigre, é preciso dizer também que é impressionante o grau de realismo do animal, que foi recriado digitalmente em quase todo o filme. É um trabalho de captura de performance e estudo da movimentação do animal tão real quanto o conseguido em O Planeta dos Macacos - A Origem, fruto do trabalho da Rhythm & Hues Studios, a mesma que criou o leão de Nárnia.
Todo este esmero digital e a boa utilização do 3D levam a uma imersão completa também nos cinemas. O final, porém, me pareceu simplista demais em comparação ao livro. Em ambos a temática religiosa explicitada no início da história é trazida de volta, mas enquanto o livro aponta de forma bastante gráfica uma inesperada mudança de rumos, o filme prefere manter isso apenas no diálogo, enfraquecendo a moral da história.