Meu primeiro contato com Oldboy foi ao saber que existia uma produção cinematográfica oriental baseada em um mangá clássico. Já me interessei de imediato, “produção cinematográfica” e “mangá” são duas sentenças que separadas atraem bastante meu interesse. Juntas, então, só poderia ser algo obrigatório. Porém comecei a ler o mangá antes de assistir o filme, parando em uma parte morna da trama. Felizmente, pois pude me surpreender ainda mais com esse grande filme.
Oldboy conta a história de Oh Dae-Su que sem motivo aparente se vê trancado em uma prisão secreta. Ele passa 15 anos dentro de um quarto sem saber o motivo daquilo tudo. Ao sair vai atrás de sua vingança, porém descobre pelo próprio responsável pela sua prisão – Lee Woo-Jin – que possui apenas cinco dias para concretizar seu acerto de contas. Uma trama extremamente intricada está apenas começando.
O apelo encontrado em Oldboy não está nas cenas de luta ou na violência mostrada. Estas existem, claro, e possuem um apelo especial. E o melhor é que nada é gratuito, usado apenas para impressionar. O grande apelo do filme são as reflexões levantadas. Temas polêmicos como liberdade, vingança - e se existe alguma justiça relacionada a ela, incesto, e consequências dos seus atos não importam quais estes sejam, são utilizados de uma forma muito bem amarrada, criando uma história convincente e que impressiona o espectador em seu desfecho – ou possível desfecho, já que nada é muito claro ou direto no filme, propositadamente.
Mencionar “possível desfecho” é entrar em uma das características mais geniais de Oldboy: os diversos detalhes apresentados que abrem brechas para inúmeras teorias e compreensões. A parte inicial do filme pode parecer chata e arrastada à primeira vista, porém se uma atenção minuciosa for dada à primeira meia hora de filme, diversos dos sutis detalhes mostrados podem ser absorvidos tornando possível que a mente do espectador faça suas viagens e conexões nos momentos finais do filme quando o enredo começa a se revelar e um dos plot twists mais incríveis que você presenciará no cinema nas últimas décadas se desenvolve.
As asas deixadas por Dae-Su, que seriam dadas de presente à sua filha, são um dos pontos cruciais destes detalhes tão importantes na conclusão da trama, além de representarem bem a perda da liberdade que o protagonista está prestes a vivenciar
.
Não quero discutir teorias. Uma das belezas de Old Boy é exatamente esta abertura que ele dá para interpretações.
Uns podem achar, por exemplo, que Dae-Su corta a própria língua, numa cena extremamente desesperadora, como uma forma de se redimir por todos os problemas causados por ela. Outros podem achar que a mesma língua cortada foi para que ele nunca revelasse o terrível segredo que Mi-Do era sua filha. Diversas teorias e interpretações podem se encontradas em uma busca rápida na internet. Uma que chamou minha atenção diz que Dae-Su não era real, que era apenas uma assombração, um monstro na cabeça de Lee Woo-Jin e que o homem no telhado tentando se suicidar no começo do filme era exatamente o próprio Woo-Jin enfrentando seus fantasmas e arrependimentos do passado
. No fim quem ganha é o espectador que precisa prestar bastante atenção em tudo e pensar muito para aproveitar ao máximo esta excelente película.
A forma animalesca, selvagem como ele se comporta quando deixa a prisão clandestina e tem contato com a liberdade passa uma mensagem forte ao espectador da importância de algo que possuímos e não valorizamos, utilizando cenas pesadas como um Dae-Su farejando um homem prestes a se suicidar ou a necessidade de comer algo vivo, concretizada com a degustação de um polvo se contorcendo na boca do personagem principal do filme. Esta sequencia de acontecimentos é emblemática e muito importante no desenvolvimento do enredo. Ao repetir a frase dita pelo potencial suicida – Mesmo não sendo melhor do que um animal, eu não tenho o direito de viver? – Dae-Su nos apresenta uma frase que, além de ter influência direta na história do filme, traz um reflexão interessante sobre a linha tênue da importância da liberdade para cada um.
As frases proferidas durante todo o filme, aliás, são verdadeiras pérolas de sabedoria e nada é dito de forma vaga, apenas para parecer bonito e poético – percebi bastante isso, por exemplo, ao assistir O Conselheiro do Crime (2013), no qual frases profundas são utilizadas sem apresentar uma conexão no mínimo plausível com o enredo desenvolvido. Começando por “tanto um grão de areia quanto uma pedra, na água ambas afundam da mesma forma”, passando por “sorria e o mundo sorri com você, chore e você chora sozinho” e finalizando com a importantíssima e já mencionada “mesmo que não seja melhor que um animal, não tenho o direito de viver?”, o espectador se depara com palavras intensas que despertam indagações não apenas relacionadas ao filme, mas também com a vida.
A direção de Chan-Wook Park merece todos os elogios. A começar pela condução de uma trama extremamente ardilosa e aberta, construída com sutis detalhes que interagem muito bem com temas polêmicos e perturbadores para atingir seu clímax com um plot twist arrebatador, apesar de algumas ressalvas.
Não desmereço o final apresentado, com a vingança original de Woo-Jin sendo revelada e a relação consanguínea entre Dae-Su e Mi-Do dando uma dramaticidade incrível à história. O que acabou diminuindo um pouco a genialidade do desfecho apresentado foi a utilização de um artifício apelativo como a hipnose para se atingir a grande mudança de direção mostrada no filme. É algo que não é completamente verossímil, assim como utilizar a viagem no tempo para tais fins, o que torna as coisas um pouco mais fáceis de serem encaixadas do que usar algo comprovadamente real
. O auge do trabalho de direção, porém, se encontra no famosíssimo – já considerado um clássico – plano-sequencia da luta do corredor. São dois minutos e quarenta segundos incríveis de uma luta fantástica, sem cortes. Tudo bem real – nada de voos a la Matrix. Planos-sequencia de luta são muito difíceis de serem filmados. É preciso bastante ensaio ou a cena pode parecer forçada e falsa. Chan-Wook Park conseguiu produzir algo soberbo.
As atuações também merecem destaque, principalmente com Min-Sik Choi no papel de Oh Dae-Su. É possível sentir profundamente a insanidade que toma conta e corrói o protagonista de Oldboy, tanto quando ele procura sua vingança quanto quando ele presencia as proporções tomadas por um ato seu da adolescência aparentemente inofensivo. E um fato interessante é que a cena do polvo foi real. Ele comeu quatro polvos – e sendo budista, fez uma oração para cada um deles – para que a chocante cena fosse realizada. Porém comer polvos vivos é algo normal no leste asiático. Mas não importa, Min-Sik Choi ganhou meu eterno respeito só por essa cena!
Oldboy é um filme que não termina quando os créditos aparecem. E digo isso não por se tratar de alguma cena escondida como virou moda nos filmes atuais de super-heróis. O trabalho fantástico do diretor Chan-Wook Park deixa o espectador sedento por mais, faz com que este busque outros pontos de vista sobre tudo que acabou de presenciar. Filmes assim devem ser vistos diversas vezes e em todas as novas apreciações pode ter certeza que novas surpresas serão notadas. Assistir Oldboy é dar diversos nós na mente.