Um homem invisível
por Bruno CarmeloA biografia do italiano Pier Paolo Pasolini faz um recorte temporal minimalista: ao invés de mostrar as principais passagens da vida do cineasta e escritor, o roteiro concentra-se nos últimos dias de vida, com destaque para sua morte violenta. Este recurso permite que os traços do diretor transpareçam em pequenas cenas, e que o filme esteja isento da responsabilidade de resumir toda a trajetória de Pasolini. Temos, portanto, uma obra metonímica, preocupada tanto com o biografado quanto com sua própria autonomia cinematográfica.
“A arte narrativa acabou”. Esta frase é dita mais de uma vez durante a história, e o diretor Abel Ferrara tenta traduzir esteticamente alguns dos preceitos do cineasta de Saló e Teorema. Os fatos são narrados de modo esparsamente cronológico, com direito a delírios, flashbacks e outros recursos metafóricos que estabelecem uma relação tênue com a realidade. Apesar de se ater aos fatos principais da morte do protagonista, o filme permite-se divagar, transitar entre os discursos poético, filosófico e político, algo que certamente agradaria ao próprio Pasolini.
Conceitualmente, portanto, o filme é irretocável, fugindo das armadilhas típicas de biografias convencionais. A atuação de Willem Dafoe no papel principal confirma o desprendimento de Ferrara, que deixa o ator se expressar em inglês sem sotaque, como um bom americano, enquanto fala italiano com sotaque estrangeiro. Pouco importa o modo como Pasolini realmente se comunicava: o filme está mais interessado em seu intelecto, transformando em motor narrativo as controvérsias que o cercavam.
Pelo encontro entre duas figuras tão apaixonadas pelos tabus, pelas polêmicas e pela desconstrução da moral vigente, poderia se esperar um filme sulfuroso. Puro engano: Pasolini é uma obra fria, elegante, contida. As cores são contrastadas, em tons de preto, cinza e bege, com a profundidade achatada pela iluminação desfocada e sombria. Os enquadramentos estão frequentemente distantes do personagem, mergulhando-o na escuridão. Ele mesmo fala muito pouco. Este é um filme sobre a imagem de Pasolini, sobre o que as pessoas pensam dele. Mas o próprio diretor permanece uma figura passiva.
Tamanho distanciamento em relação a Pasolini serve para confundir, ao invés de esclarecer informações. Os recursos se sucedem em tela (os efeitos especiais e cósmicos, as reencenações de orgias, os jantares naturalistas, os reflexos na projeção dos filmes), todos potencialmente interessantes, mas Ferrara não explora a fundo nenhum dos caminhos que propõe. Este é um filme de possibilidades abertas, de ideias um tanto vagas, que não resultam em nenhuma cena contundente, nenhum momento particularmente ambíguo ou questionador. Mesmo a esperada morte é filmada com uma neutralidade espantosa. Pasolini se sai bem na desconstrução da lógica documental, mas não obtém sucesso na hora de construir algo por cima dos escombros.