Na primeira cena de “O Lenhador”, filme de Nicole Kassell, somos inseridos no mundo de Walter (Kevin Bacon), um homem que, depois de passar doze anos na prisão, foi colocado em liberdade condicional assistida. A partir de então, Walter retorna à sua cidade natal; arruma um emprego na madeireira do filho de um amigo seu (interpretado por David Alan Grier); aluga um apartamento com vista para uma escola de 1º grau; faz visitas periódicas a um terapeuta; recebe o Sargento Lucas (Mos Def), o agente da condicional, em sua casa. Enfim, Walter toma todas as providências para levar uma vida a mais próxima do normal.
Mais do que mostrar a luta de um homem para se reinserir na sociedade, “O Lenhador” retrata a batalha de um homem contra os seus próprios demônios. Por trás da aparência introvertida e, até certo ponto, quieta, existe um homem muito atormentado pelos pensamentos impuros que o levaram à cadeia. Walter molestou garotas na faixa etária entre 11 e 14 anos e ele tem uma única súplica: quer ser normal, quer poder olhar para uma menina sem querer dormir com ela. Um pedido que fica difícil de ser atendido enquanto ele se enxerga em outros homens que gostam de observar crianças ou até mesmo em pais que são carinhosos com suas filhas (mesmo que esses pais não tenham os mesmos pensamentos que Walter).
Na sua volta à sociedade, Walter ergue uma espécie de muro entre ele e as pessoas com quem ele passará a conviver. Sua postura “discreta” será objeto de muito interesse e especulação. Serão poucos aqueles a ultrapassar a barreira que Walter ergueu entre ele e o mundo: além do terapeuta que Walter vê semanalmente (e com quem divide seus pensamentos e súplicas), o cunhado Carlos (Benjamin Bratt) e a colega de trabalho – e interesse amoroso – interpretada por Kyra Sedgwick (mulher de Kevin Bacon na vida real) conseguirão se comunicar e, principalmente, ajudar Walter a reencontrar o seu lugar na sua difícil volta à vida em sociedade.
“O Lenhador” lida com a pedofilia, um tema bastante polêmico. Seria fácil para o filme desbancar para um lado sensacionalista. Felizmente, esse não foi o caminho escolhido por Nicole Kassell, que aborda o tema sem fazer qualquer julgamento e com muita delicadeza (fato corroborado pela soberba atuação de Kevin Bacon, que combina momentos de comedimento e outros de entrega emocional). A história de Walter é a história de muitos outros homens (assaltantes, estupradores, seqüestradores, assassinos, etc.) que – devidamente arrependidos e conscientes de suas falhas – só exigem da sociedade (e daqueles a quem amam) uma segunda chance, a oportunidade de serem normais e de serem tratados com dignidade e respeito e de poderem levar as suas vidas em paz.