Sem dúvida, a maior expectativa do cinema nacional deste ano era "Carandiru". Tudo, devido a grandiosidade do projeto. Dezenas de atores, milhares de figurantes dirigidos pelo premiado diretor Hector Babenco (de "O Beijo da mulher aranha", 1984 que lhe rendeu uma indicação ao Oscar de melhor diretor). O roteiro era do próprio Hector baseado no best-seller de Dráuzio Varella de nome "Estação Carandiru". Para produção, 12 milhões de reais (para se ter noção, Cidade de Deus custou 1/4 disso). Demorei uma semana pra assistir o tão aguardado filme e por isso, li várias críticas e comentários. Nenhuma das opiniões pareceu muito com a minha. Carandiru (Carandiru, Brasil, 2003), que levou quase meio milhão de brasileiros em seu fim de semana de estréia, não é um filme fascista ou maniqueísta como li por aí. Primeiro, quando for ao cinema, é bom esquecer tudo que leu (inclusive o livro, que eu não li) e entrar no clima do filme sem as grandes expectativas que foram geradas. Aliás, pra mim, o "insucesso" do filme com alguns críticos se deve a isso, uma questão de expectativa. Se não é dos melhores, Carandiru não deixa de ser bom. Pra começar, vamos pela história: O médico vai no início dos anos 90 ao presídio realizar um trabalho de prevenção a AIDS. E no tempo que passa lá, ouve histórias dos detentos. Como médico, ele esquece os julgamentos e tem uma visão imparcial de todos, imposta pelos presos. Para adaptar o livro de 368 páginas, Babenco escolheu as histórias mais interessantes e as "mixou" no filme. Não ficou tão ruim assim. Sim, o personagem do médico ficou estranho. Pra mim, Luis Carlos Vasconcelos (de Abril Despedaçado) não teve culpa. Sempre simplório em cena, mas talvez a sua personagem seja um dos mais difíceis de se interpretar. O médico (o nome da personagem é esse mesmo) sempre que ouvindo ou conversando com os detentos tem feições alegres. Imaginando Dráuzio Varella no lugar, não me pareceu tão estranho aqueles sorrisos do médico (considerando que ele se acostumou ao lugar que trabalha). Apenas em uma ou outra cena, esses "sorrisinhos" ficam bem discutíveis. Como defensor da vida, o médico não devia ficar tão sereno quando a personagem Ezequiel (Lázaro Ramos) chega com um faca dizendo que matou Zico (Wagner Moura), ou por exemplo na sua última cena no presídio antes do massacre em que ele tem um breve dialógo com "Barba" (André Ceccato) enquanto os amigos da personagem se drogam. E outra coisa: se no livro, o médico tinha uma visão neutra de tudo, isso não significa necessariamente que suas expressões se traduzam em sua face, se é que deu pra entender. Ou seja, é um personagem bastante curioso, mas então façamos o papel do médico no livro, assistamos aos presos. Muita gente não gostou da seleção de estórias do livro para o filme e aquele negócio do médico imparcial continuou sendo falado. Pra mim, existe uma grande diferença entre um roteiro adaptado de um livro para o cinema com um roteiro baseado em um material pré-publicado, como é o caso de Carandiru. Se o nome do livro é "Estação Carandiru" que era a estação em que Dráuzio desembarcava para ir ao presídio (ou seja, ressaltando a visão particular do médico), vale lembrar que o nome do filme é "Carandiru", ou seja, a visão dos presos fica a critério do que Hector Babenco desejou. Logo no início do filme, nos créditos iniciais, isso é ratificado: "Carandiru - filme baseado no livro de Dráuzio Varella" e não "adaptação do livro de Dráuzio Varella". Ou seja, vale a pena mesmo esquecer do livro. Sim, o filme é violento oras, passa-se no Carandiru. E, com excessão de algumas cenas desnecessárias e apelativas (como a que Rita Cadillac rebola encima da garrafa ou aquela em que Majestade (Aílton Graça) morde a bunda de Rosimere (Aída Lerner) ou ainda o beijo entre Lady Di e Sem chance que podiam ser mais editadas) o realismo é fundamental. Agora, vamos mais ao filme em si: os presos. Vou ter que começar isso pelo final do filme em que as imagens da demolição do presídio são passadas. Aquela demolição indica que algo foi destruído e não foi os presos, nem a PM ou o governo, ou seja, tudo indica que aquilo simbolizava o fim daquele drama e inferno. Então, conclui-se que deveria ser mais explorado a parte dramática do filme. Tem ação e humor demais na fita. Alguns até caem bem pra descontrair como por exemplo alguma frases de Majestade (Aílton Graça). Mas outros, soam muito apelativos. Todas as cenas que envolvem travestis são, aí sim, um tanto quanto preconceituosas. Toda vez que esses apareciam na tela, risos e risos na sessão. Pra mim, achar graça ou drama dos travestis depende de quem assiste mas as vezes fica muito claro o humor explorado neles. Eu imaginei o filme sem os travestis e o humor ficando com Sem Chance (Gero Camilo). Mas soou clichê demais pra mim, o carinha baixinho coadjuvante que tem apelido da frase que fala o tempo todo. E o Gero Camilo nesse papel, também ficou estranho. Queria saber se há descrições físicas dessa personagem no livro. Porque pra mim, as cenas dele com Rodrigo Santoro interpretando Lady Di ficaram muito falsas e mais uma vez, o humor desnecessário veio a tona. Vou aproveitar pra falar logo de Rodrigo. Por mais que ele se esforce, muitas vezes parece que ele tá lá de brincadeira. Um travesti musculado que lembra o galã. Voltando ao "núcleo travesti" do filme: um argumento que encontrei pra mostrar a falta de utilidade na trama (não que ela seja tanta) de Lady Di e Sem Chance (este último nem tanto, considerando que ele é enfermeiro) é o seguinte: vários personagens contam sobre seu passado e sabe-se muito sobre o que eles fizeram. Desses dois, não se sabe nada! Não houve flashback e nem uma narração mais particular. Tirando o excesso de humor e falta de drama, posso comentar agora o caráter político do filme. As vezes, o filme fica com uma visão neutra de tudo, outras nem tanto. Sei lá, por mais que os presos sejam "vítimas do sistema", eles acabaram com vidas não? E um dos pontos que já ia me esquecendo sobre o filme, foi o funcionamento da prisão. Ficou muito uma coisa de "homens de palavra, respeito e honra". Cadê as gangues? O único exemplo de uma briga mais séria é a do início e a que desencadeia a rebelião que gerou o massacre. E faltou também, aquelas condições sub-humanas do presídio (aparece pouco, muito pouco). Voltando a parte mais moral do filme, as vezes fica tudo muito político colocando a culpa no governador e etc (na verdade, ninguém sabe quem é o culpado). E no fim do filme, aquela musiquinha de "Meu Brasil, brasileiro" ficou muito forçada, e nós sabemos que por mais que tenhamos mazelas sociais, não se deve se generalizar e igualar aquele "Brasil" ao "Brasil brasil mesmo". Mas, existe uma conscientização interessante e algo bom para quem assiste. E quanto a Babenco (não, não é Babando, Babado, Bobão ou Boboca) eu gostei bem da direção dele. Sempre competente. E é interessante a sequência final do filme. Toda a cena do massacre muitíssimo bem dirigida (apesar da invasão e o caráter político terem ficados um pouco falsos). Quanto aos relatos que seguem, ficaram com uma cara de documentário, atores com jeito de personagens e sem parecer muito artifical. E muitas vezes, as sacadas de Babenco (como roteirista e diretor) deixam nós mesmos julgarmos quem é o culpado: a polícia, o governo, os próprios presos ou se é tudo parte de um sistema. E talvez prevendo as críticas, Hector ainda coloca uma epilógo atribuído ao livro de Varella dizendo que só Deus, a polícia e os presos sabem o que aconteceu naquele dia (o do massacre), e que ele (o médico) só ouviu os detentos. Nessa passagem que é por sinal a única vez no filme que aparece o nome Dráuzio Varella, Babenco se isenta de quase todos os seus pecados. Voltando a parte mais técnica da direção de Hector Babenco, destaque vai para as atuações. Pelo que conhecemos dos atores, deu pra perceber que Babenco cobrou algo deles e o resultado foi muito bom (não me lembro de nenhum dos atores mal em cena). Isso sem contar toda a parte de cenário, caracterização, efeitos sonoros e fotografia. Em uma análise mais dirigida ao espectador, vale dizer que é bom esquecer do livro e das críticas e não criar expectativa de mais quanto ao filme, curtir o momento. Afinal, cinema é entretenimento: lazer e cultura. Ah, quase esqueço de me dizer do Oscar. É bem difícil que "Carandiru" consiga uma indicação. Não que o filme seja ruim, mas a ultra-violência ainda deve chocar os membros mais velhos da Academia que votam na categoria, mesmo com "Cidade de Deus" talvez tendo aberto caminho ano passado. E é difícil que a Sony e a Columbia consigam fazer uma divulgação nos EUA que cause grande estardalhaço na mídia e mesmo assim, comparações com "CDD" seriam invevitáveis já que o que mais chamou a atenção, pelo menos nos EUA, em Cidade foi sua ritmo original, o que não é o caso de Carandiru.!"