Como a história registra, povos oriundos do leste europeu e da Ásia, “invadiram” a Europa ocidental, central, a península ibérica, bem como a região do Mediterrâneo por volta do ano 220 de nossa era, durante o império romano e, a despeito de serem mais armados e quase tão organizados quanto aos romanos, foram denominados “bárbaros” por não se expressarem e latim, língua considerada oficial na época, assim como o inglês o é hoje no mundo ocidental; e por exibirem culturas e costumes diferentes dos chamados povos “civilizados” europeus.
A história não registra se o povo do país invadido se via em pior situação com os bárbaros ou com os senhores feudais, reis e príncipes que governavam essas regiões; ou se essas invasões representavam uma espécie de libertação do jugo a que esses tiranos de sangue azul submetiam seus vassalos, já que a história sempre é escrita por aqueles que vencem e estes não se preocupam em traduzir em letras o sentimento dos pobres e oprimidos.
Frequentemente, os criadores de obras de arte se socorrem de metáforas históricas para exprimirem seus sentimentos e divulgarem suas mensagens, isto é, venderem seu peixe. É interessante que assim seja porque, como disse um sábio contemporâneo, “a história se repete”, por decorrência, tudo que vivemos hoje é réplica do passado com adição de cores do presente.
Assim, me parece, que a “Invasão” desloca nossa atenção para o singular e quase compulsório pós-pós, ou seja, pós-moderno e pós-onze de Setembro. O personagem Rémy do filme, na sua crise existencial, crise essa que só aparentemente é causada pela doença terminal que o afeta, questiona a vida que levou; o que fez e o que deixou de fazer; questiona ao lado de seus estereotipados ex-colegas de faculdade, os valores da civilização ocidental do século vinte, e todos os “ismos” os quais abraçaram como causa justas durante suas vidas. Já que a dor pela qual passa Rémy, está presente o tempo todo, esta dor é pretexto para introduzir na história, uma fiel representante da “geração perdida”, com toda carga de desamor e rebeldia sem causa que convém a quem se refugia no uso de drogas pesadas. Essa drogada, que por acaso é filha de uma das ex-colegas de Rémy, passa a ministrar heroína a ele no intuito de minoras suas dores de, num óbvio desfecho, se redime de sua vida, após uma conversa reflexiva com o doente. Outro estereótipo, o filho yuppie de Rémy, Sebastien, representa a geração pós-faça amor não faça a guerra, e está sempre “plugado” no trabalho de consultor do mercado financeiro e, embora se considere self made man descobre através da mãe que deve muito a seu pai, e resolve, a qualquer custo, (dinheiro mesmo) amenizar os últimos momentos de seu pai, chegando a “comprar” a visita “espontânea” de ex-alunos a seu pai. A alegoria do autor é que, embora o mundo ocidental esteja ruindo (Rémy está morrendo), o dinheiro o dinheiro sempre vai ser o deus onipotente que tudo resolve. Sebastien resolve, depois da morte do pai (fim da civilização) retornar a seu ambiente, onde vai casar em continuar com a mesma vida. Aliás, a noiva Sebastien é a única que contesta o amor frontalmente, ela não acredita em amor e vai casar exatamente como quase todos dessa geração o fazem, por mera conveniência e sem pretextos. Parabéns para ela pela falta de hipocrisia.
Cabe lembrar também que Rémy, apesar de muito doente, permanece lúcido e dá uma dica de quem são os bárbaros quando diz que tem medo de ir aos EUA para se tratar. Rémy, ex-professor, devasso, inteligente, depressivo,lúcido, angustiado, divorciado, ilustrado acima da média, bate firme no cristianismo representado por bonita freira-enfermeira que o atende. Esta acaba concordando que a religião cometeu seus pecados e se acumplicia com os outros para dar uma morte decente a Rémy. Esse é o clímax do filme, todos, a bicha, a descasada, o casado com a mulher jovem, o filho, a noiva do filho, a santarrona, a mãe da drogada, a drogada, obedecendo o desejo do moribundo, permitem que lhe seja ministrada uma dose fatal de heroína.
Morreu Rémy, morreu o século vinte, morreu a civilização ocidental, morreu a história (no sentido Fukuyama do termo), só restou o dinheiro (Sebastien), a falta de amor, (noiva dele), a desilusão com as drogas (ex-drogada) e o desengano com a religião (Freira).
É um filme é bom, vale ser assistido, mas deixa, a exemplo de um bom vinho, um retro sabor pata quem não assistiu “O declínio do império americano” do mesmo diretor. JAIR, Floripa, 17/10/10.