Nos primeiros momentos de “De Lovely – Vida e Amores de Cole Porter”, filme do diretor Irwin Winkler, as cenas vão ganhando vida na medida em que a luz vai – lentamente – tomando conta do quarto em que um homem idoso, em meio às relíquias de seu passado distante, vai dedilhando o seu piano, ensaiando as primeiras notas de uma canção. É como se estivéssemos testemunhando o início de uma grande peça, em que os holofotes estão sendo dirigidos a um único ser.
Logo em seguida, somos transportados para um teatro, no qual aquele homem idoso em questão – e que vem a ser o grande compositor Cole Porter (Kevin Kline, numa atuação magistral, indicado ao Globo de Ouro 2005 de Melhor Ator em um Filme de Comédia ou Musical) – será testemunha do ensaio final de um musical, cujo tema é a sua vida. Aos poucos, o palco e a memória de Cole Porter vão sendo invadidos por todas as pessoas que marcaram a sua vida.
Cole Porter teve uma vida cheia de excessos e luxos. Inicialmente, o compositor dividia seu dom (para compor, uma vez que ele não era muito bom como cantor) e suas músicas com pouquíssimos amigos, que tratavam de divulgar seu enorme talento. Em Paris, cidade onde passou uma grande temporada, Porter conheceu aquela que seria a sua esposa, musa inspiradora e companheira incondicional, Linda (Ashley Judd, na melhor atuação de sua carreira, coroada com uma indicação ao Globo de Ouro 2005 de Melhor Atriz em um filme de Comédia ou Musical); num relacionamento que ficou marcado pela tolerância da esposa às diferentes fases pelas quais seu marido passava (Porter era bissexual). Ao longo dos anos de um complicado e profundo casamento, Porter e Linda viveram em diversos lugares do mundo – mais precisamente em Veneza, Nova York, Hollywood e Massachussetts -, nos quais Porter experimentou os grandes momentos de sua carreira quando idealizou musicais de Broadway e trilhas sonoras de filmes que se tornaram clássicos; assim como as difíceis fases de sua vida e trabalho, quando as paixões intensas o afastaram de seu maior suporte (a esposa).
“De Lovely – Vida e Amores de Cole Porter” possui um recurso narrativo bastante interessante. No decorrer do filme, Irwin Winkler e o roteirista do filme, Jay Cocks, utilizam as músicas de Cole Porter como forma de ilustrar os momentos mais marcantes da vida do compositor. Para agradar a uma platéia mais jovem (afinal, as composições de Porter são das décadas de 30 e 40), o diretor (ou seria o estúdio de cinema?) decidiu convidar alguns artistas pop para interpretar as clássicas canções de Porter. Passam pela tela nomes como Robbie Williams, Elvis Costello, Alanis Morissette, Sheryl Crow, Natalie Cole, Diana Krall (na melhor das participações), Lara Fabian (cantora que ficou famosa no Brasil por causa da música “Love by Grace”, que estava na trilha sonora da novela “Laços de Família”) e o tenor grego Mario Frangoulis.
“De Lovely – Vida e Amores de Cole Porter” está mergulhado nas décadas de 30 e 40. Dos figurinos à direção de arte, vemos a preocupação de Irwin Winkler em ser fiel a uma época de luxo, romantismo e pompa. O diretor não comete exageros, mas peca ao colocar a personagem Porter como co-criador do grande musical que vai se desenhando na tela. Assistir ao compositor refletindo sobre a sua vida e lamentando alguns fatos certamente o torna mais humano, mas tira o espectador do grande foco do filme. Não estamos ali para julgar Cole Porter, e sim para celebrar a sua vida, amores e belas canções.