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    Corações Livres
    Críticas AdoroCinema
    3,0
    Legal
    Corações Livres

    Amar é sofrer

    por Bruno Carmelo

    Um dia, sem motivo aparente, Cecilie diz ao namorado Joachim: “Cuidado quando sair de casa. Quero que você volte inteiro”. Na cena seguinte, Joachim é atropelado por um carro e se torna paraplégico. Marie, a motorista responsável pelo acidente, é a esposa de Niels, médico do hospital onde a vítima é socorrida. A triste Cecilie e bondoso médico Niels se apaixonam. Assim, como a “Quadrilha” de Carlos Drummond de Andrade – que também continha um elemento trágico, justamente envolvendo um Joaquim – está montada a ciranda de amores e dores entre quatro personagens.

    Pela descrição acima, é possível perceber que o acaso não tem espaço em Corações Livres. O roteiro é cuidadosamente construído de modo a ressaltar a noção de destino, da inevitabilidade do amor, este sentimento que ocorre quando menos se espera, como uma força superior que determina a dinâmica social. Esta é uma obra purista, moral, quase religiosa, valorizando o sofrimento e a culpa como virtudes maiores do indivíduo sentimental.

    Quando o filme foi lançado internacionalmente, em 2002, os críticos não demoraram a classificá-lo como pertencente ao movimento Dogma 95, que marcou algumas das experiências mais radicais e interessantes de Lars von Trier e Thomas Vinterberg, por exemplo. A nacionalidade dinamarquesa, a câmera na mão e a iluminação natural permitiram a aproximação a filmes como Os Idiotas e Festa de Família.

    Mas a cineasta Susanne Bier foge às regras do Dogma ao abrir mão da espontaneidade narrativa, incluindo diversos truques inicialmente recusados pelo movimento, como a trilha sonora não diegética (uma insistente música pop romântica), a vinheta rosada no início da trama e alguns inserts de partes do corpo, mais granulados e mais tremidos do que as demais imagens. Aliás, esta é uma das maiores contradições de Corações Livres: o encontro entre a estética realista e a estrutura melodramática convencional.

    O elenco contém diversos nomes de destaque do cinema dinamarquês, como Mads Mikkelsen, Paprika Steen e Nikolaj Lie Kaas. Todos se saem bem em seus papéis catárticos, com exceção notável de Sonja Richter, atriz principal desta história. Talvez por escolha da diretora, ou por composição da própria atriz, Cecilie torna-se uma jovem inexpressiva, embora esteja envolvida em uma tormenta de desejos e amores. Ela tem um namorado paraplégico por quem está apaixonada, um novo namorado casado por quem também se apaixona, mas perambula entre estas relações com a apatia de alguém que nunca compreende de fato a situação.

    Por fim, Corações Livres deve agradar fãs de romances e melodramas, por desenvolver à exaustão o calvário e a psicologia de seus personagens. Durante a sua estreia mundial, 13 anos atrás, o drama não trazia inovações estéticas, mas em 2015, ele pode ser interpretado como sintoma, para nos lembrar de que maneira a estética realista mudou, e como as regras do Dogma geraram frutos – ou não – no cinema contemporâneo. Aliás, é uma pena que a obra tenha demorado tanto tempo para estrear aos cinemas brasileiros, mas é melhor que chegar tarde do que não chegar nunca. A atitude corajosa de distribuidores e exibidores que apostam nestes filmes deve ser aplaudida.

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