O Aviador (The Aviator)
"O Aviador" foi lançado em 2004, dirigido por Martin Scorsese e escrito por John Logan. Baseado no livro de não-ficção de 1993 "Howard Hughes: The Secret Life de Charles Higham", o filme retrata a vida de Howard Hughes. É estrelado por Leonardo DiCaprio como Howard Hughes, Cate Blanchett como Katharine Hepburn e Kate Beckinsale como Ava Gardner.
Muitas pessoas e críticos de cinema consideram Martin Scorsese como o "maior diretor de cinema do mundo ainda vivo". O diretor foi responsável por algumas das maiores obras do que hoje é conhecido como "cinema moderno". "Taxi Driver", "Touro Indomável", "Os Bons Companheiros", "Gangues de Nova York" e a linda homenagem à história dos primórdios da sétima arte, "A invenção de Hugo Cabret", figuram entre alguns dos filmes mais adorados e premiados pelo público e pela crítica. Eu sou um fã apaixonado pelas obras do mestre Scorsese.
Em "O Aviador" Scorsese nos traz uma biografia, uma releitura da vida de Howard Hughes. Howard foi um pioneiro da aviação, engenheiro aeronáutico, industrial, produtor de cinema e diretor cinematográfico norte-americano, além de um dos homens mais ricos do mundo. O filme retrata sua vida de 1927 a 1947, período que ficou famoso por se tornar um magnata da aviação, por quebrar o recorde mundial de velocidade em um avião, produzir o filme "Hell's Angels" e por se tornar dono de uma das maiores empresas aéreas norte-americana, a TWA (Trans World Airlines).
Howard Hughes era um ser humano ambicioso, perfeccionista, volúvel, um playboy excêntrico, uma figura megalomaníaca. Um jovem que se tornou milionário da noite para o dia, devido a uma herança deixada por seu pai, e utilizou o dinheiro para conciliar uma carreira de diretor de cinema e construir um verdadeiro império da aviação nos EUA, tudo sempre muito grandioso, muito estratosférico e, consequentemente, muito caro. Porém, ao mesmo tempo que Howard exibia todo o sucesso e fama, ele se tornava mais instável devido ao grave transtorno obsessivo-compulsivo (TOC). Que é caracterizado pela presença de obsessões, compulsões, ideias, pensamentos, imagens ou impulsos repetitivos e persistentes que são vivenciados como intrusivos e provocam ansiedade. Howard não tinha apenas preocupações excessivas em relação aos seus problemas cotidianos, ele desenvolveu uma doença, um transtorno, uma obsessão, um trauma.
O longa de Scorsese ainda nos elucida sobre a otosclerose. Howard havia herdado a surdez parcial que acontecia na família. A condição de otosclerose hereditária se tornaria progressivamente pior ao longo de sua vida, pois quando jovem, fez com que ele se tornasse isolado e introspectivo (exatamente como vemos na primeira cena do filme). "O Aviador" ainda funciona como um ótimo exemplo ilustrativo de como se manifestam os sintomas da neurose obsessiva, que era exatamente a compulsão desenvolvida por Howard para designar um distúrbio que produz sofrimento psíquico e que aponta para os impasses com o seu desejo inconsciente, compondo, juntamente com a histeria, as suas neuroses. Ao longo da trama constatamos desde o estilo excêntrico e megalômano de Howard, passando por sua dificuldade com decisões e dúvidas extremas, até a evolução de seus atos ritualísticos.
Leonardo DiCaprio no entrega aqui simplesmente uma das maiores atuações de toda a sua carreira. DiCaprio com certeza está entre os melhores atores da sua geração e de todos os tempos. Ao longo da sua carreira cinematográfica já tivemos várias atuações com um nível de excelência absurda, como o próprio longa do Scorsese - "O Lobo de Wall Street" (2013), onde pra mim o DiCaprio entrega a sua melhor atuação.
Em "O Aviador" DiCaprio tem um nível de entrega ao personagem altíssimo, desenvolve uma relação entre o personagem e o espectador completamente fantástica, pois sua interpretação condiz exatamente com uma personalidade ambiciosa, megalomaníaca, com um perfeccionismo completamente doentio e desfavorável à sua mente. Aqui o Scorsese usa o DiCaprio para nos trazer um estudo aprofundado sobre o perfeccionismo, que muita das vezes poder ser visto como algo bom, necessário para o ser humano em seu cotidiano, mas também pode acarretar consequências desfavoráveis, doentias, com manipulações perigosas e indesejáveis.
Ao longo dos anos, DiCaprio já poderia (e deveria) ter ganhado o Oscar em várias ocasiões, como por exemplo aqui e na obra-prima "O Lobo de Wall Street". Porém, esse Oscar veio tardiamente e pelo o conjunto da obra em "O Regresso" (2015), que de fato DiCaprio entrega mais uma belíssima atuação, mas inferior se comparada com suas performances anteriores. Por sua atuação magnífica em "O Aviador", DiCaprio ganhou o Globo de Ouro e foi indicado ao Oscar. Curioso que o Jim Carrey esteve cotado para interpretar Howard Hughes.
Cate Blanchett é uma atriz que está no hall das melhores atrizes de todos os tempos (incontestavelmente), aquela típica atriz que é completamente impossível achar um trabalho ruim ou mediano, e aqui ela simplesmente nos exibe uma das suas melhores atuações da carreira. Cate traz uma atuação segura, arrojada, compenetrada, rica em detalhes técnicos e expressivos, onde soube aproveitar muito bem o seu tempo de tela ao lado do DiCaprio, cuja harmonia e sintonia era sentida notavelmente. Perfeição é a palavra que define o trabalho entregue aqui por Cate Blanchett. E olha que inicialmente Nicole Kidman interpretaria a Katharine Hepburn, mas devido a conflitos de agenda com as filmagens de "Mulheres Perfeitas" (2004) teve que desistir do papel. De fato a Nicole Kidman é outra belíssima atriz, mas devo afirmar que a Katharine Hepburn foi uma personagem que nasceu para ser interpretada pela Cate Blanchett, com certeza ninguém faria melhor que ela. Naquele ano a Cate Blanchett ganhou o seu primeiro Oscar da carreira, além de também ter ganhado o BAFTA.
Kate Beckinsale é uma atriz talentosa, extremamente bela, onde ela também exibiu a sua personagem com muita grandeza e muita peculiaridade ao longo da trama. Gwyneth Paltrow chegou a assinar o contrato para interpretar Ava Gardner, mas desistiu do papel, o deixando nas mãos da competente Kate Beckinsale. Kate entrega uma performance elegante, eloquente, acertada, que também esteve com uma química perfeita ao contracenar com o Leonardo DiCaprio.
O longa ainda contou com a presença ilustre do mestre Willem Dafoe, se destacando notavelmente mesmo com o seu pouco tempo de tela. John C. Reilly muito bem interpretando o personagem Noah Dietrich. Alec Baldwin que também esteve muito bem como Juan Trippe. Além de ser o filme de estreia de Gwen Stefani, vocalista da banda americana No Doubt, como atriz.
Inicialmente seria Michael Mann o diretor de "O Aviador", mas como ele havia dirigido recentemente duas outras cinebiografias, "O Informante" (1999) e "Ali" (2001), decidiu ser apenas produtor do filme e ofereceu o projeto a Martin Scorsese. E devo dizer que esta foi uma decisão muito acertada, pois um projeto desse calibre nas mãos do mestre Scorsese, só poderia render uma obra com o nível que presenciamos. O roteiro de John Logan ("Gladiador" e "O Último Samurai") é outro ponto de destaque no longa, bem montado e bem construído. A trilha sonora de Howard Shore (simplesmente o compositor da obra-prima "O Silêncio dos Inocentes") é bela, é rica, é muito bem idealizada e se alterna com excelência ao longo de cada cena. A fotografia de Robert Richardson ("Ilha do Medo" e "A Invenção de Hugo Cabret") é magnífica, perfeita, se destacando com uma paleta de cores que nos remetia diretamente à obras do passado. A direção de arte é excelente, assim como a montagem, edição, som, figurinos, todos funcionando como um verdadeiro deleite para o espectador.
Apesar de todas às excelências destacadas, Scorsese peca no ritmo e na duração do longa-metragem. Eu vejo "O Aviador" dividido em duas partes: a primeira é composta pela apresentação dos personagens e principalmente do Howard Hughes, onde temos todo um trabalho feito em cima de cada cena com uma certa exigência de detalhes imposta pelo próprio Scorsese. O que definitivamente deixou essa parte cansativa, com um ritmo lento, morno, que nos exige mais concentração e mais paciência. Já a segunda, que é exatamente após o acidente quase fatal de Howard, é aonde o filme ganha um fôlego extremo, se destaca com bastante excelência, principalmente por impor um ritmo dinâmico, fluido, acertado. E muito por essa parte especificamente abordar o transtorno em seu estado mais aflorado, toda desconstrução e queda do Howard baseado em sua doença. E ainda temos aquela parte final que aborda a sessão do julgamento, que é simplesmente uma das melhores cenas de todo o filme.
"O Aviador" arrecadou US $ 214 milhões com um orçamento de US $ 110 milhões. Na temporada de premiações em 2005, o longa foi indicado a onze Oscars, incluindo Melhor Filme, Melhor Diretor, Melhor Roteiro Original, Melhor Som, Melhor Ator para DiCaprio e Melhor Ator Coadjuvante para Alda, ganhando cinco: Melhor Fotografia, Melhor Edição, Melhor Figurino, Melhor Direção de Arte e Melhor Atriz Coadjuvante para Blanchett. No BAFTA, foi indicado a quatorze prêmios, ganhando quatro: Melhor Filme, Melhor Atriz Coadjuvante para Blanchett, Melhor Design de Produção e Melhor Maquiagem e Cabelo. No Globo de Ouro, foi indicado a seis prêmios, ganhando três: Melhor Filme - Drama, Melhor Ator - Filme Dramático para DiCaprio e Melhor Trilha Sonora Original para Howard Shore. Além disso, DiCaprio foi indicado para Melhor Ator Masculino em um Papel Principal e Blanchett ganhou Melhor Ator Feminino em um Papel Coadjuvante no Screen Actors Guild Awards. O longa ainda faturou o MTV Movie Awards de Melhor Ator (DiCaprio), além de ter sido indicado na categoria de Melhor Cena de Ação.
O mestre Scorsese nos brinda com mais uma de suas pérolas cinematográficas, mais um trabalho extremamente importante dentro da sua consagrada e premiada filmografia. "O Aviador" é uma obra seca, crua, tensa, verdadeira, que nos exibe em forma de biografia um profundo estudo da psicanálise, das doenças mentais e suas consequências, das camadas de um ser humano em seu estado obsessivo, compulsivo, degradante e decadente. Um verdadeiro show, um verdadeiro espetáculo dessa dupla que já é considerada histórica para a sétima arte - Martin Scorsese e Leonardo DiCaprio.
[22/10/2022]