O ser humano só conhece o verdadeiro sentido de nobreza quando passa por um sentimento de muita dor. Essa afirmação – feita pelo anjo Gabriel (Tilda Swinton, a excelente atriz de “Até o Fim”) – é apenas uma das primeiras coisas que podem nos ser ditas sobre John Constantine (vivido por um robótico Keanu Reeves – uma escolha, por sinal, controversa, uma vez que o personagem original é loiro e inglês; e o cinematográfico passou a ser moreno e norte-americano), o anti-herói de “Constantine”, filme do diretor estreante Francis Lawrence (conhecido pela direção de videoclipes de artistas como Jennifer Lopez e Britney Spears), e baseado no personagem da série de quadrinhos “Hellblazer”.
Ao contrário de outros heróis dos quadrinhos, Constantine é um homem rude; sem, no entanto, nunca chegar a ser arrogante. Também não é atlético (ele é um fumante inveterado). Seu superpoder é conseguir distinguir os espíritos “híbridos” que habitam a terra (aqueles que servem ao diabo e a Deus). Suas armas são tudo aquilo relacionado à religião católica (uma cruz, uma água benta). Tampouco Constantine é altruísta e quer salvar o mundo. O que ele quer é salvar a si mesmo. Explico: quando ele era pequeno cometeu suicídio. Constantine foi declarado morto pelo período de dois minutos. Tempo suficiente para ele conhecer o inferno (a ponto de não querer nunca mais ir para lá) e foi ressuscitado. Desde então, ele dedica a sua vida a enviar de volta ao seu local de origem aqueles espíritos que ameaçam o equilíbrio do plano terreno (os enviados de Deus e do diabo coabitam a terra com os humanos, mas nunca podem entrar em contato conosco. O máximo que eles podem fazer é tentar nos influenciar, de maneira a nos conquistar). Em outras palavras, ele quer ganhar um lugar no céu.
Isso também é o que a detetive Angela Dodson (Rachel Weisz, excelente como sempre) quer. Católica inveterada, Angela se vê numa encruzilhada quando a irmã gêmea dela, Isabel, comete suicídio. De acordo com os dogmas católicos, aquele que comete suicídio não merece a salvação. Angela se recusa a acreditar que a irmã se matou, pois a única coisa em que Isabel acreditava era em Deus. Assim como Constantine, Isabel foi atormentada a vida toda com visões do outro mundo e, por isso, foi enviada a um hospício para se tratar. Em conseqüência disso, Angela procura Constantine e pede que ele a ajude a entender o que aconteceu com Isabel e, principalmente, que a mostre que fim ela teve. Juntos, os dois desvendarão um plano obscuro envolvendo a perda definitiva do equilíbrio do plano terreno.
Personagens obscuros, engraçados e leves. Uma trama inteligente e muito bem desenvolvida. Um diretor que conta essa trama com a segurança e a confiança de um experiente. Um elenco acima da média (além dos já citados, o filme conta com atores como Peter Stormare, Djimon Hounsou, Shia LeBeouf e Gavin Rossdale – mais conhecido como o marido da cantora Gwen Stefani). São estes elementos que fazem de “Constantine” um filme surpreendente e envolvente. Por ser inspirado em uma história em quadrinhos, será inevitável a comparação com outros longas do gênero. A comparação acaba por ser revelar infundada, pois os filmes desse gênero costumam ser bastante diferentes, porém com algo em comum: a vontade dos diretores e atores de contar uma boa história de maneira competente.